Pb. Miquéias Daniel Gomes
Ah como ela era feia. Na
verdade, estava feia.
Ela nasceu linda e perfeita,
imagem e semelhança do que havia de mais belo em todo o universo.
Em sua infância ela
correu livremente por jardins e campinas, absorvendo o perfume de cada flor,
alimentando-se da doçura dos mais suculentos frutos, dançando alegremente em
parceria com o vento... Como era deslumbrante sua beleza e insinuante sua inocência,
tanto que olhos cobiçosos se voltaram para ela. Entretanto, sobre a jovem moça
havia uma promessa de casamento, e ela já tinha um compromisso assumido com o
Noivo mais desejável da história. Cada minuto de sua existência suspirava por
este momento, cada dia que terminava, morria em paz e felicidade, pois também trazia
para mais perto o esperado dia. A pequena Noiva crescia e se desenvolvia, e
passado muito tempo, se tornou mulher, e cada segundo de sua vida era dedicado
ao preparo esmerado para o casamento...
Mas então, eis que em um
garboso corcel negro, de cujos olhos flamejavam labaredas de fogo, surge um príncipe
ardiloso, que reina nas partes mais obscuras da Terra. Sua voz é doce e
aveludada, sua mão tem a textura das mais suaves pétalas, e seus olhos brilham
como diamante, coroando a beleza de um rosto esculpido no mais raro mármore. E
ele sabe como fazer promessas cativantes... E ele conhece profundamente o
mundo, em cada detalhe, em cada recanto, em cada vale e fenda. Ele é o senhor
do engodo e da enganação, e seu convite astuto e malicioso é praticamente irrecusável:
- Venha comigo e te mostrarei as coisas mais lindas e incríveis, com quais
você se quer sonhou... Venha comigo e te levarei a conhecer os mistérios e os
prazeres da vida. Te darei liberdades e privilégios... Te livrarei das algemas
do amor, e te levarei a experimentar das delicias existentes na paixão...
Apenas rompa seu compromisso com o Noivo e fuja comigo para onde apenas as
fantasias ousam viajar....
E então, incauta e vislumbrada
com tamanho garbo e fervor, a Noiva abraça a promessa feita na penumbra da
noite, e imerge numa fantasiosa vida de alegria, onde conhece os prazeres indescritíveis
da vida, mas em contra partida descobre que o preço cobrado para esse desfrute
é imenso e amargo, e sua dívida se torna tão grande, que ela não tem condições
de pagar...
Da inadimplência, nasce a
escravidão... É o príncipe misterioso se revela um carrasco de alma enegrecida,
ávido por retirar da Noiva tudo o que lhe fora dado na criação, e assim, dia
após dia, sua luz vai sendo apagada, seus sonhos vão sendo eliminados, sua
beleza vai se esvaindo, com sua alma sendo dilacerada.
É questão de tempo até que ela
esteja jogada em uma sarjeta, suja e empoeirada, fedendo a pecado e a vergonha,
vestida de trapos, com os cabelos emaranhados e sebosos, com um rosto
desfigurado, marcado pela dor e coberto de cicatrizes, as mesmas cicatrizes que
se fundem aos ferimentos que ainda sangram, em seu corpo, alma e espírito.
Pobre Noiva... Tantas
promessas... Tantos planos... Tantos sonhos...
E agora, ali jogada no chão,
tudo que anseia da vida é a morte, pois ingenuamente ela pensa que o fim de sua
existência, poria fim ao seu sofrimento. Mas o que ela não sabe, é que sua dívida
permanece na eternidade. Isso só mudaria se alguém assumisse seus débitos e
pagasse o alto preço por eles exigidos.
Mas quem se importaria com ela,
agora que se tornará em uma criatura tão desprezível?
Enquanto seus olhos se
fechavam, ela ainda consegue vislumbrar a figura de homem que se aproxima...
-
Tanto faz... Deve ser apenas mais um...
Sem ter forças para qualquer
reação, a Noiva apenas espera... Mas ao invés de sentir uma mão qualquer tocar
seu corpo, ela sente uma mão conhecida que toca carinhosamente seus cabelos...
-
Minha amada Noiva, finalmente te encontrei... Há muito tempo estou te
procurando, mas hoje te encontrei...
Com as últimas forças que lhe
restavam, a Noiva abre os olhos e contempla o rosto radiante do Noivo... Ela
não lembrava de como ele era belo e de como sua voz era suave... Seu coração
acelera e ela sente novamente como o amor é delicado e verdadeiro, e por um
instante, todo medo e toda dor deixam de existir...
Mas a realidade é cruel, e logo
a desesperança surge avassaladora:
- É muito tarde para mim...
Balbucia a Noiva – Eu cometi
muitos erros, abri mão da verdadeira felicidade por prazeres passageiros, e
agora, eu devo morrer...
-
Não! Minha amada! Não deixarei que isso aconteça... Não posso viver sem você –
Respondeu o Noivo com total convicção...
-
Sinto muito meu amado... Mas eu não tenho o direito de viver ao seu lado... Eu
não mereço ser feliz...
Enquanto dizia estas palavras,
a Noiva sente a morte apertando seu pescoço... O pecado veio cobrar a dívida...
A morte é uma agiota com quem não se negocia, e assim, alguém tinha que
morrer... O Noivo então segura as mãos da Noiva e fecha seus olhos... Uma luz cintilante
começa a emanar de seus olhos, e a Noiva não pode acreditar no que está
acontecendo...
Uma a uma, suas cicatrizes
começam a desaparecer, seus ferimentos se fecham instantaneamente, sua roupa
começa a se refazer no mais refinado e puro linho branco, sua sujeira
desaparece, seu cheiro é substituído pelo mais delicioso aroma, seu medo vai
embora e leva junto suas culpas e dores. A Noiva está bela outra vez, seus
cabelos bailam ao vento e seu hálito é como o cheiro das romãs...
Infelizmente sua alegria
termina quando ela olha para o lado, e percebe o corpo do Noivo jazendo no
chão. Ele está todo ferido, seu rosto desfigurado pelas mesmas cicatrizes que
ela tinha adquirido. Sua roupa está rasgada e suja, e a Noiva finalmente
entende o tamanho do amor que aquele homem sentia por ela, ao ponto de morrer
em seu lugar, tomando sobre ele toda a aflição, angustia e flagelo que para ela
estava destinado.
Mas calma, está história tem um
final feliz. Afinal, a morte não sabia que a inocência e pureza do Noivo era
tanta, que mesmo pagando toda a dívida da Noiva, ainda sobravam créditos para
uma vida eterna, e assim, três dias depois o Noivo está de volta para viver
este amor.
Uma alegria gigantesca, invade
o coração da Noiva, quando atende a campainha naquela manhã de domingo... Ela
não podia acreditar em seus próprios olhos... O Noivo estava ali, vivo, mais belo do que nunca, com um sorriso
estampado em seu rosto e o amor latejando em seu olhar...
-
Voltei minha amada... Voltei pra você... Mas ainda não é hora do casamento...
Preciso retornar para meu Reino, e ali vou construir uma casa para nós, bela e
eternal, e assim, que tudo estiver pronto, eu irei regressar para você, e te
levarei para morar comigo em um lugar onde não existe mais dor, sofrimento e
lágrimas.... Apenas aguarde o meu retorno e jamais duvide de meu amor...
-
Mas e se eu fraquejar novamente... E se eu não amar o suficiente? –
Preocupou-se a Noiva.
- Eu amarei por nós dois... E embora você não me veja, eu estarei aqui
para te ajudar todos os dias, até que os séculos se encerrem. – Respondeu o
Noivo.
-
E como poderei falar com você durante minha espera?
-
Em poucos dias – Prometeu o Noivo – Um amigo muito especial virá para te fazer
companhia. Ele caminhará com você, adornará você, instruirá você e te consolará
quando sentires saudades de mim.
-
E como ele se chama, meu Noivo?
-
O nome dele é Espirito Santo!
E desde então, a Noiva aguarda
ansiosa pelo dia do seu casamento, mas desta vez está vigilante, guardando tudo
o que tem, para que ninguém retire dela sua coroa.
O Espirito e a Noiva dizem:
VEM! E todo aquele que ouvir diga: VEM! (Apocalipse 22:17)
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