A espera pelo nascimento
de um filho é um momento mágico e especial... Mas confesso que pra mim foi um
período de grande sofrimento emocional. Não me entenda mal, é claro que eu
estava ansioso pela chegada do meu filhotinho, mas ao mesmo tempo estava profundamente
angustiado pela imensa possibilidade de ver se repetir nele a história da minha
vida...
Nasci no dia 3 de julho de
1984, primeiro filho do Pr. Wilson Gomes e da Pra. Marcia, mas aquele momento
de esfuziante alegria foi transtornado com uma notícia terrível. Eu nasci com
uma deformidade crânio facial causada por uma anomalia que é popularmente
conhecida como “lesão lábio palatal”.
A fissura palatina é uma
má formação congênita caracterizada por uma alteração ocorrida entre a quarta e
a sétima semana de vida intrauterina,
levando a uma falha na fusão dos
processos palatinos. Pode envolver o pré - palato, situado anteriormente ao
forame incisivo, o palato duro e/ ou o palato mole e normalmente
está associada a fissuras labiais. Bom,
pra resumir sem muitos termos técnicos, o meu lábio era fendido e
meu palato (céu da boca) não passava de uma cratera.
As fissuras,
principalmente as de palato, causam dificuldades alimentares. Com o processo de
sucção prejudicado, a quantidade dos alimentos ingerida nem sempre é suficiente
para suprir as necessidades do bebê, resultando em pouco ganho ponderal. Este
quadro é agravado com o constante escape de alimentos pelo nariz e a ingestão
excessiva de ar provoca vômitos, engasgos e perdas de alimentos. Além disto,
são comuns as infecções de ouvido e as pneumonias
aspirativas. Com tudo isso minha mãe não pode me amamentar, pois
minha alimentação precisou ser ministrada através de seringas e sondas. Passei
pela primeira cirurgia aos dez meses de vida onde tive meu lábio suturado, e
com poucos mais de um ano comecei a ter o palato reconstruído artificialmente e
continuei com procedimentos cirúrgicos até os meus vinte e três anos, quando
depois de uma cirurgia para desobstrução do septo nasal, decidi que era hora de
parar com o tratamento.
Os médicos disseram aos
meus pais que eu não teria condição de desenvolver a fala e se com sorte eu
falasse, seria com muita dificuldade, com entonação tão distorcida tornando
quase impossível de alguém me entender. Fui encaminhado a uma fonoaudióloga que
já nas primeiras seções me deu alta, pois contra todas as possibilidades minha
fala era quase perfeita.
Também não tinha (e
ainda não tenho) a úvula, conhecida também como “campainha da
garganta”, e que funciona como um alarme que avisa quando algo está passando
pela nossa garganta e aciona o fechamento das vias respiratórias para que os
alimentos não cheguem as cavidades nasais ou na traqueia, e nesse caso, sem
essa proteção natural, posso afirmar que quem tem me protegido é Deus. Por
outro lado, a úvula e o palato mole exercem uma função de grande importância na
fonação, pois modificam o timbre de um fonema e são essenciais na articulação
das palavras, e é exatamente por isso que minha voz deveria ser
incompreensível, mas incompreensível mesmo é como eu falo sem dificuldades
alguma, mesmo com essa deformação (essa os médicos continuam me devendo
uma explicação “cientifica” e todo mundo põem na conta de Deus mesmo).
Passei por implantes,
enxertos, extrações e por horas infindas em mesas de otorrinos, cirurgiões
plásticos, ortodontistas e protéticos. Passei mais de 20 anos em constantes,
desgastantes e desagradáveis viagens à Bauru para realizar consultas no
Hospital de Lesões Crânio Faciais da USP, local onde apesar do sofrimento,
conheci histórias de pessoas que me faziam sentir que minha condição era
nada comparada a delas. Ali evangelizei, servi de testemunho e cresci muito
como ser humano, aprendendo a valorizar a vida e a ver beleza no grotesco e no
feio.
Mas fora dali, sempre
houve um lado tão ou ainda mais devastador que a própria anomalia física, as de
aspecto emocional. Fui motivo de piadinhas e chacotas durante toda a minha vida
devido às sequelas e cicatrizes que existem em meu rosto. Me senti isolado,
inseguro, por vezes chorei e me escondi do mundo, mas no fim das contas sempre
me superei com a graça de Deus, o apoio de minha família e uma boa dose de amizades
leais... Pra quem não falaria, hoje eu ministro, canto e glorifico ao Senhor,
pois passei de pé onde muita gente bem melhor do que eu não passaria nem de
joelhos e tenho certeza que teria forças o suficiente pra passar por tudo outra
vez, mas confesso que não suportaria ver meu filho passando por esta mesma
estrada... E a possibilidade disto acontecer era muito grande.
A anomalia está no gene
masculino, ou seja minha genética favorecia a hereditariedade da doença, e pra
completar eu me apaixonei e casei com uma moça linda cujo irmão tem o
mesmo problema... A possibilidade do nosso filho nascer com a anomalia? Uns
95%? Uns 10%? Que diferença fazia... Qualquer perspectiva era capaz de me tirar
a paz e o sono.
Sofri e chorei escondido
durante os meses de gestação, tentando mostrar uma força que na verdade não
existia... Minha esposa Valquíria teve uma gravides muito difícil onde o
inimigo lutou bravamente contra meu filho ainda no ventre, o que por
muitas vezes me fez temer ainda mais pela saúde do meu garotinho; até que
no dia 12 de novembro de 2010 meu Nikito nasceu... Perfeito, sem nenhuma
anomalia genética, com a boquinha e o narizinho tão belos como os da mamãe...
Lindo e Maravilhoso... A melhor surpresa que Deus já me fez... O presente mais
que perfeito.
Deus nunca muda, mas se
renova a cada dia... Ele é o criador hábil e generoso, um autor criativo
cuja mente acima do próprio universo fervilha com belas e emocionantes
histórias, cada uma com enredo especifico e proposito muito bem delineado...
Exatamente por isso, Ele não repete histórias...
Sei que Deus
tem seus propósitos para minha vida, e também tem propósitos para a vida do meu
filho... Ele sabe o que faz e como faz... Ah, só pra não deixar dúvidas, Deus
não comete erros. Basta aceitar sua vontade.
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