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terça-feira, 28 de abril de 2015

Biografia: Flávio Josefo



Flávio Josefo é um dos maiores historiadores judeus de sua época, e além de escrever sobre a História dos Judeus e suas guerras, também escreveu sua autobiografia, na qual se descreve como filho de Matias o sacerdote judaico, nascido em Jerusalém, instruído pela torá e adepto do farisaísmo (JOSEFO, Flávio, História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.476-495). O seu testemunho é importante, pois é provavelmente o único relato sobrevivente de uma testemunha ocular da destruição de Jerusalém. Josefo é considerado como um revolucionário judeu que rendeu-se à supremacia romana trocando o suicídio pela lealdade a Roma. Por sua demonstração de lealdade, Vespasiano não apenas o recebeu como cidadão romano, mas o patrocinou como historiador.
No seu livro Antiguidade dos Judeus, que é normalmente datado na década de 90dC tem duas citações interessantes. A primeira faz clara referência a Tiago “irmão de Jesus chamado Cristo: “Anano, um dos que nós falamos agora, era homem ousado e empreender, da seita dos saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos os judeus e os mais rigorosos no julgamento. Ele aproveitou o tempo da morte de Festo, e Albino ainda não havia chegado, para reunir um conselho diante do qual fez comparecer Tiago, irmão de Jesus chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento. Esse ato desagradou muito a todos os habitantes de Jerusalém, que eram piedosos e tinham verdadeiro amor pela observância das nossas leis” – (JOSEFO, Flavio, História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.465). Dois fatos são interessantes nessa citação: (1) Confirma uma clara declaração das escrituras: Jesus tinha um irmão chamado Tiago (Gl.1.19); (2) Ele era reconhecido como Cristo, outra afirmação clara das escrituras (Mt.16.16).
A segunda declaração de Josefo a respeito de Jesus é ainda mais explícita e por isso, muito controversa. Pouco antes da declaração supracitada, ele também afirma: “Nesse mesmo tempo apareceu Jesus, que era um homem sábio, se todavia devemos considera-lo simplesmente como um homem, tanto suas obras eram admiráveis. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios. Ele era o Cristo. Os mais ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele fê-lo crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não o abandonaram depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas o tinham predito e que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram seu nome” – (JOSEFO, Flávio, História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.418)
Flávio Josefo nasceu em Jerusalém, em 37 ou 38 d.C., de uma rica família da aristocracia sacerdotal asmoneia. Aos 13 anos entra em contato com as três principais tendências do judaísmo do século I d.C., desenvolvidas pelos saduceus, fariseus e essênios, mas ainda não decide abraçar nenhuma delas. Mas, não satisfeito com esta experiência, Josefo vai viver três anos, dos 16 aos 19  anos de idade, junto a um asceta chamado Bano, que vivia  austeramente no deserto, se vestia da casca das árvores e só se alimentava com o que a mesma terra produz; para se conservar casto banhava-se várias vezes por dia e de noite, na água fria. Josefo decidiu imitá-lo e após estes três anos no deserto, Josefo volta a Jerusalém, provavelmente para se casar, e opta pela linha teológica farisaica. Apesar de dizer que optou pelos fariseus, alguns especialistas defendem que Josefo é, na verdade, um saduceu. Só que após a guerra judaica, já em Roma, vivendo a sombra di Imperador, e acusado de ser "anti-romano" por seu rival judeu -  Justo de Tiberíades - Josefo diz ser adepto dos fariseus moderados. No ano 64 d.C., com 26 anos de idade, Josefo vai numa embaixada a Roma para interceder junto a Nero por alguns sacerdotes judeus ali retidos. O brilhante sucesso desta missão colocou Josefo em respeitável  posição frente aos seus conterrâneos. Mas não é apenas este o efeito da viagem a Roma. O jovem aristocrata provinciano viu, pela primeira vez, a grandeza e o poderio de Roma, a maior e mais poderosa cidade do mundo então. Isto vai influenciar sua avaliação da guerra que se seguirá.
Essa citação tem sido criticada como sendo impossível de ter sido proferida por um judeu-romano escrevendo sobre a história dos judeus. Normalmente apela-se par ao fato de que o texto acima é fruto de uma corrupção cristão tardia, especialmente pelo fato de que Orígenes (185-253dC) atesta que Josefo não aceitava a Messianidade de Jesus. Entretanto, essa declaração não é inteiramente verdadeira, observe a declaração de Orígenes: “Tamanha era a reputação de Tiago entre as pessoas consideradas justas, que Flávio Josefo, que escreveu Antiguidade dos Judeus em vinte livros, quando ansiava por apresentar a causa pela qual o povo teria sofrido grandes infortúnios que até mesmo o tempo fora destruído, afirma que essas coisas aconteceram com eles de acordo com a Ira de Deus em consequência das coisas que eles se atreveram a fazer contra Tiago o irmão de Jesus que é chamado Cristo. E o que é fantástico nisso é que, apesar de não aceitar Jesus como Cristo, ele deu testemunho da justiça de Tiago” – (Orígenes, Origen’s Commentarary on Matthew, IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 9, pp.424). Considerando o fato de que Orígenes atesta que Josefo o chama de Cristo (como vimos que o faz quando fala sobre Tiago), embora não o considerasse como tal, não é impossível que a citação seja de fato verdadeira. Porém, devemos reconhecer que algumas das declarações desse texto atribuído a Josefo parecem por demais cristãs para serem de um fariseu, e entendemos que não é à toa que tenha sido considerada uma interpolação.
Edwin Yamauchi, professor emérito de história na Universidade de Miami, comenta essa citação de Josefo e explica que é possível perceber onde estão as interpolações, ou supostas alterações cristãs tardias. Ele argumenta que era incomum para um cristão referir-se a Jesus Cristo apenas como um homem sábio, o que sugere que o texto nesse caso é de Josefo. Por outro lado, parece improvável que um judeu sugeriria que ele não era simplesmente um homem. Nesse caso, Yamauchi atesta que esse é um possível caso de interpolação cristã tardia. Sobre a expressão “Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios”, Yamauchi defende que está em conformidade com o estilo e vocabulário de Josefo, mas a conclusão “Ele era o Cristo” parece direta demais para um judeu (STROBEL, Lee, Em defesa de Cristo,  Vida, 1998, 104).
Contudo, ainda que tal citação de Josefo possa ser tomada com algumas ressalvas, é importante lembrar que uma versão árabe do texto de Josefo no mesmo trecho, que embora tenha as partes mais criticadas ausentes, apresenta aspectos interessantes sobre Cristo, observe: “Nessa época havia um homem sábio chamado Jesus. Seu comportamento era bom, e sabe-se que era uma pessoa de virtudes. Muitos dentre os judeus e de outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à cruficicação e à morte. E aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de seguí-lo. Eles relataram que ele lhes havia aparecido três dias depois da crucificação e que ele estava vivo […] talvez ele fosse o Messias, sobre o qual os profetas relatavam maravilhas” – (GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética – Vida 2002,pp.449)
Após apresentar essa versão do texto de Josefo, em outro livro Geisler explica sua preferência por essa leitura: “Existe uma versão dessa citação na qual Josefo afirma que Jesus era o Messias, mas a maioria dos estudiosos acredita que os cristãos mudaram a citação para que fosse lida dessa maneira. De acordo com Orígenes, em dos pais da igreja nascido no século II, Josefo não era cristãos. Desse modo, é improvável que ele pudesse afirmar que Jesus era o Messias. A versão que citamos aqui vem de um texto árabe que, acredita-se, não foi corrompido” – (GEISLER, Norman,Não tenho fé suficiente para ser ateu – Vida, 2006, pp.227).
Diante dessas informações, devemos ainda lembrar os leitores que a credibilidade de Josefo como historiador já foi colocada a prova diversas vezes. Em um provocativo livro chamado Jesus e Javé, o judeu ateu Harold Bloom logo de início apresenta sua visão acerca de Cristo e Josefo: “Não há fatos comprovados acerca de Jesus de Nazaré. Os poucos fatos que constam na obra de Flávio Josefo, fonte da qual todos os estudiosos dependem, são suspeitos, pois o historiador era José bem Matias, um dos líderes da Rebelião Judaica, que salvou a própria pele por ter bajulado os imperadores da Dinastia Flaviana: Vespasiano, Tito e Domício. Depois que um indivíduo proclama Vespasiano como Messias, ninguém deve mais acreditar no que tal pessoa escreve a respeito do seu povo. Josefo, mentiroso inveterado, assistiu, tranquilamente à captura de Jerusalém, à destruição do Templo e à matança dos habitantes” – (BLOOM, Harold, Jesus e Javé, os nomes divinos – Objetiva, 2006, pp.31)
Nesse momento temos que fazer uma importante pergunta: “O que ganharia esse judeu traidor nacional em mencionar a figura de Jesus?”. Considerando o fato de que era financiado por Roma, era de se esperar que sua visão pudesse ter sido comprada pelos romanos e sua história tenha cedido em alguns lugares à tentação de ser conscientemente impreciso o que o levou a ganhar a fama de mentiroso inveterado. Contudo, aos olhos de Roma, essa nova “religião” tinha claras tendências de ser facciosa ao Império em função do seu estranho conjunto de doutrinas e sua objetiva recusa de adorar ou a César ou aos deuses romanos. Com isso, era de se esperar que ele suprimisse qualquer evento, fato ou personagem que pudesse o colocar em oposição com seus patrocinadores.
Portanto, é evidente que não haveria qualquer ganho para Josefo em apresentar a pessoa de Jesus, e talvez, por essa mesma razão, é que ele tenha escrito tão pouco a seu respeito. Mas, ainda assim, com o testemunho de Josefo, nós podemos reconhecer algumas das características de Cristo e sua história, tal como contada pelos evangelistas:

Jesus foi um homem considerado sábio; de bom comportamento e virtudes; tinha um irmão chamado Tiago; teve muitos seguidores de diferentes nacionalidades; foi crucificado por Pilatos; por crucificação; nem por isso seus discípulos o abandonaram; eles relataram a ressurreição de Cristo após três dias; além de uma possível relação com o Messias anunciado pelas escrituras hebraicas.

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