As histórias de José e
Moisés, são ao mesmo tempo paradoxal no desenvolvimento e semelhantes nos
propósitos. Enquanto José ascendeu da escravidão ao governo, Moisés parece
fazer exatamente o caminho contrário, deixando para traz o legado dos faraós e
assumindo a causa de um povo escravizado.
Entretanto, quando visualizadas numa
única perspectiva, estas histórias paralelas revelam um grandioso projeto
divino, minucioso em seus detalhes. José ainda era um adolescente de
17 anos quando foi vendido por seus irmãos, e chegou ao Egito junto a caravana
de mercadores ismaelitas. Negociado como escravo, logo se tornou o mais
exemplar serviçal da casa de um militar egípcio chamado Potifar, que o promoveu
para mordomo. Porém, a esposa de Potifar, via qualidades em José que
iam muito além de seu primoroso serviço, e tentou, sem sucesso, seduzir o jovem
hebreu. Frustrada pela negativa de José, aquela mulher lhe acusa de assédio e
tentativa de estupro, assim, vitimado por esta enorme injustiça, José é
conduzido a prisão, onde passará os próximos anos de sua vida.
No cárcere, José tem a
oportunidade de conhecer dois funcionários do palácio de Faraó, suspeitos por
intentar contra a vida do rei. Através da interpretação dos sonhos de seus
companheiros de cela, José revela que o padeiro será condenado a morte e o
copeiro será libertado e retornará aos seus afazeres. Em três dias, a previsão
se realiza piamente. Os anos seguintes foram arrastados, mas mesmo numa
situação adversa, José impressionava a todos por sua postura e nobreza, tanto
que foi promovido a “auxiliar” de carcereiro.
Alguns anos depois, quando o
poderoso Faraó se viu às voltas com um sonho perturbador e indecifrável que lhe
tirava completamente a paz, o seu copeiro se lembrou do companheiro de cela
visionário. Então, José é retirado da prisão e conduzido a presença do monarca.
Ali, o jovem hebreu (já na casa dos 30 anos), não apenas revela o significado
do sonho real (sete anos de fartura seguidos por sete anos de fome e escassez),
como também apresenta um plano para evitar um desastre nacional. Sem pensar
duas vezes, o Faraó ascende José ao cargo de “governador”, uma mistura de
ministro da fazenda com vice-presidente. Agora, o antes escravo e prisioneiro,
é o segundo em comando no poderoso Egito.
Quando seus irmãos se
apresentam a fim de comprar alimentos, José enfrenta uma intensa batalha contra
seus próprios sentimentos, e depois de uma série de provas impostas, ele perdoa
seus irmãos, e pede que Jacó seja trazido para o Egito. Gênesis 46:27 revela
que 70 hebreus chegaram ao Egito, onde foram regiamente recebidos, e acomodados
na terra de Gosén, afim de apascentar em calmaria os seus rebanhos. José sabia
que o Egito não era a terra que Deus prometerá a seu bisavô Abraão, tanto que
fez jurar os seus descendentes, que quando retornassem para casa, seus ossos
deveriam ser levados dali (Êxodo 13:19).
Em determinado momento
da história egípcia, a elite religiosa e administrativa da nação, entrou em
rota de colisão com o Faraó, e para enfraquecer seu domínio, facilitou a
entrada de estrangeiros no país. Foi neste contexto que os Hicsos, povo em
constante desenvolvimento, viu a oportunidade de “invadir” o Egito e ocupar
suas férteis planícies. Esta ocupação foi até certo ponto pacífica, mas o
desgaste inevitável veio com o tempo, e o Egito se viu esfacelado em culturas
distintas por quase 150 anos. Para recuperar a hegemonia, os egípcios
precisaram enfrentar pelo menos duas grandes batalhas contra os hicsos. Foi
apenas entre os anos de 1570-1546 a.C, que o Egito foi unificado e os invasores
hicsos (semitas como os hebreus), foram expulsos sob o comando de Amósis, e
segundo alguns historiadores, este teria sido o Faraó que
não “conhecerá” a José. Aqui, o termo “conhecer” remete ao fato de que este
governante não tinha qualquer empatia por José e seus descendentes, vendo os
como um “inimigo íntimo”, que poderia sim, virar uma nova “pedra em sua
sandália”.
Amósis inicia então uma
pesada campanha publicitária afim de convencer a opinião pública da nocividade
representada pela presença dos hebreus - O qual disse ao seu povo: Eis que
o povo dos filhos de Israel é muito, e mais poderoso do que nós. Eia, usemos de
sabedoria para com eles, para que não se multipliquem, e aconteça que, vindo
guerra, eles também se ajuntem com os nossos inimigos, e pelejem contra nós, e
subam da terra (Êxodo 1:9-10). A estratégia funcionou, e com o apoio
popular, o Faraó passou para a próxima fase de seu plano, isolando os
israelitas em sua terra e elevando drasticamente os impostos cobrados, o que
obrigou aos hebreus a trabalharem exaustivamente afim de pagar seus tributos. O
texto original usa a palavra “bepharech”, que remete a ideia de “trabalho
forçado capaz de quebrar o corpo” - E puseram sobre eles maiorais de
tributos, para os afligirem com suas cargas (Êxodo 1:11).
Mesmo com tamanha
opressão, o povo de Israel continuava a crescer e se multiplicar, tornando-se
mais forte a cada dia. A linhagem dos Faraós, temerosa que uma nova
“invasão estrangeira” minasse seu poder, passou a tomar medidas cada vez
mais drásticas. Por exemplo, ordenou as parteiras que atendiam as
gestantes hebreias, que assassinassem os meninos hebreus recém nascidos, ordem
esta, que não foi obedecida. Alguns estudiosos (entre eles Flavio Josefo),
acreditam que existia um tipo de “profecia” oriunda dos magos egípcios, sobre
um menino que nasceria e desafiaria o poder do Faraó, mas que este guerreiro,
teria na água o seu ponto fraco. Isto justificaria a próxima ação arbitrária e
cruel do Faraó, que baixou um terrível decreto sobre toda a terra do Egito: - Então
ordenou Faraó a todo o seu povo, dizendo: A todos os filhos que nascerem
lançareis no rio, mas a todas as filhas guardareis com vida. (Êxodo 1:22). É
exatamente neste tempo de densas trevas, que nasce Moisés, um libertador para
seu povo.
A história de Moisés
revela um engendrado plano traçado antes mesmo de seu nascimento e que culmina
com o retorno a terra prometida. Porém, quando analisamos alguns detalhes bem
específicos, podemos de fato constatar como nosso deus é minucioso em seus
propósitos. O nome Moisés, provavelmente tem sua origem na palavra egípcia
“Mes”, que significa “filho ou criança”, mas quando pronunciado na língua
hebraica, ele tem a fonética alterada para “Mosheh”, que pode ser interpretado
como “tirado”, neste caso, tirado das águas.
Mais que apenas um nome,
a nomenclatura “Moisés” é uma síntese perfeita do projeto divino do próprio
Deus. Quando Joquebede decide construir uma cesta de junco, para colocar seu
filho de três meses dentro dela e depois depositá-la no Rio Nilo, certamente
nem fazia ideia que era direcionada pelo próprio Deus. O Nilo é até os dias de
hoje considerado “sagrado” dentro da cultura egípcia, e esta veneração pelo rio
era ainda mais extremada no tempo dos faraós. Quando a princesa do Egito se
banhava no Nilo, avistou a pequena cesta que flutuava pela correnteza, e
ordenou que suas damas a buscassem. Ali dentro estava um menino hebreu
sentenciado a morte, porém, ela se recusou a matá-lo, afinal, aquele era um
presente do “Nilo”, enviado pelos próprios deuses. Nem mesmo a casa real se
opôs a criação da criança, pois não ousava questionar suas divindades. Ou seja,
Deus usou da crença pagã da família real, para salvar a vida de Moisés e
colocá-lo no palácio afim de criar o vínculo familiar necessário, para que anos
mais tarde, ele tivesse acesso irrestrito ao dialogar com o Faraó.
Outro fato interessante
é que enquanto a cestinha boiava no rio, Miriam, a irmã de Moisés a acompanhava
veladamente. Quando percebeu que a princesa se vislumbrará com a criança, se
aproximou e disse conhecer uma excelente ama de leite, já que o menino
precisaria ser alimentado. A filha de Faraó imediatamente ficou interessada na
proposta, pois conhecia a fama das hebreias. Quando as parteiras se negaram a
matar os meninos hebreus, alegaram ao Faraó que as mulheres de Israel davam a
luz com muita facilidade e sem precisar de amparo médico.
Assim, dentro do
palácio, correu a notícia que as mães hebreias eram mui prendadas e exímias
parideiras. Miriam indicou Joquebede para cuidar do menino, e a princesa
imediatamente aceitou, pois o curriculum materno de uma hebreia a gabaritava
para amamentar um príncipe do Egito. Certamente Joquebede aproveitou cada
minuto ao lado de seu filho para ensina-lo acerca de seu Deus e de seu povo,
semeando em seu coração a devoção ao “GRANDE EU SOU”, que se revelaria anos
depois. Como um dia disse o seu antepassado José – “Deus transformou o mau em
bem" (Gênesis 50:20).
Pb. Miquéias Daniel Quaresma Gomes
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