Judas Iscariotes é, sem
dúvidas, um dos mais enigmáticos personagens de todo cânon sagrado. Citado
sempre por último na listagem dos doze discípulos, nada sabemos sobre sua
vocação e muito pouco de sua vida foi revelado pelos evangelistas.
O nome,
“Judas” significa “abençoado”, e é um dos mais comuns no Novo Testamento onde
encontramos pelo menos “sete” homônimos. O fato de Judas ser identificado como
“Iscariotes” pode significar sua posição política na sociedade judaica como
membro do partido dos sicários, uma ramificação dos zelotes. A grande maioria
dos estudiosos acredita que este termo na verdade nos revele a naturalidade de
Judas, que seria oriundo de Cariotes ou Kerioth, um lugarejo perto de Hebrom e
muito próximo da Judéia, local mais provável de seu primeiro encontro com
Jesus.
Porém, tudo o que se falar sobre as origens de Judas Iscariotes
tramitará no âmbito das especulações, pois todas as citações referentes a ele
nos quatro evangelhos apontam apenas seu declínio espiritual, que culminou no
famoso ato da traição.
Os Evangelhos de Mateus e Marcos fazem menção da
ganância de Judas e sua forma materialista de enxergar o ministério do Cristo.
Lucas, por sua vez, relata que as ações extremadas de Judas foram motivadas por
Satanás, que literalmente, “entrou nele” (Lucas 22:3). João vai ainda além,
pois não só ratifica a influência satânica sobre o discípulo renegado, como
também aponta seu desvio de caráter ao identifica-lo como um ladrão (João
12:6).
Com este histórico,
Judas se tornou um “ícone da maldade”, uma personificação pulsante da falsidade
e da traição. No folclore brasileiro, o chamado “sábado de aleluia” (pós
“sexta-feira da paixão”) é marcado pela “Malhação de Judas”, onde um boneco é
amarrado pelo “pescoço”, surrado e queimado numa demonstração de aversão aos
atos do discípulo traidor. Esta tradição, remonta a portugueses e espanhóis, e
se espalha ainda hoje pela América Latina. Entre muitas comunidades cristãs da
Alemanha, é expressamente proibido citar o seu nome, e em alguns dicionários, o
verbete “Judas” tem entre seus significados expressões como “falso amigo” ou
“traidor”.
Porém, apesar de todo o ódio popular demostrado por ele, Judas
Iscariotes tem sim uma legião de simpatizantes. No século II, uma comunidade
gnóstica redigiu o controverso “Evangelho de Judas”, que foi encontrado
recentemente no Egito. Escrito em copta e datado com mais de 1700 anos, o
manuscrito aponta Judas como um herói, pervertendo a narrativa dos evangelhos
canônicos. Ali, Judas é apresentado como o mais próximo discípulo de Jesus e o
único a compreender a verdade sobre ele. Cristo então teria revelado para Judas
que estava “preso” em um corpo carnal, e informa ao seu discípulo que o mesmo
estava destinado a ser superior aos demais homens, pois seria o responsável por
“sacrificar o corpo que o vestia”. Assim, todo o plano tramado por Judas, na
verdade era uma ordenança do próprio Cristo, que culminaria em sua morte e
“libertação”. Assim, a atitude de Judas não teria sido uma traição, mas sim um
ato de devoção e fé.
Este argumento não só contradiz os evangelhos canônicos, como vai na contramão de tudo que a Bíblia diz sobre Deus e Jesus, devendo ser refutado com veemência.
Este argumento não só contradiz os evangelhos canônicos, como vai na contramão de tudo que a Bíblia diz sobre Deus e Jesus, devendo ser refutado com veemência.
Outros escritos
apócrifos justificam o ato de Judas como sendo uma tentativa de iniciar a revolução
política tão desejada pelos judeus. Segundo esta teoria, Judas
acreditava que quando Jesus estivesse cercado pelos soldados romanos,
finalmente se revelaria como o grande Messias, que livraria Israel da opressão
estrangeira. Se de fato esta fosse a intenção de Judas, demostraria o quão
distante ele estava de compreender os ensinamentos de Jesus, que apontavam para
o Reino de Deus, e não se detinha em questões materiais.
Neste emaranhado de
suposições, o que sabemos com certeza sobre Judas, é que este homem foi
escolhido por Jesus para ser um de seus discípulos de confiança (sendo o
tesoureiro do grupo), e que ao invés de adentrar na dimensão espiritual
proposta por Cristo, se ateve a questões mesquinhas e efêmeras, dando com isso,
lugar a Satanás. Entrou para a história como um traidor que não
podendo suportar as consequências de seus atos, se esqueceu do quanto era amado
e tirou a própria vida.
Seu remorso desesperançado e seu coração tomado pelas
trevas, se quer cogitaram a possibilidade de encontrar o perdão absoluto que
emanaria da cruz. Judas se deixou dominar pela carne, dando ouvidos a voz do
maligno. E estas vozes soavam tão alto, que ele mal conseguiu ouvir as últimas
palavras ditas por Jesus a ele no momento em que deu o famoso beijo da traição:
- Meu amigo! (Mateus 26:50).
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