Após derrotar o gigante Golias, o
jovem Davi é conduzido nos braços do povo até o palácio real, causando um
perigoso sentimento de inveja no rei. Saul recebe Davi com as honras
prometidas, mas imediatamente desenvolve um imenso desprezo por aquele que seria
seu genro, que só aumenta à medida que Davi vai mostrando seu valor e ganhando
apresso popular.
Se o atual rei temia que o jovem
Davi pudesse tirá-lo de seu trono, seu sucessor imediato pensa exatamente o
contrário, aceitando o fato que o verdadeiro herdeiro do trono de Israel não
será identificado pelo sangue, mas sim pela unção. Desde a primeira vez que viu
Davi, Jonatas se simpatizou com a figura jovial do belemita, e enquanto seu pai
fazia pouco caso do pastorzinho recentemente promovido a herói nacional,
Jonatas vislumbra o futuro da nação, e num ato profético, retira seu manto real
e veste Davi com ele. Jonatas também entrega para Davi suas vestes, a sua
espada, o seu arco e o seu cinto, numa transferência simbólica do direito de
ser o herdeiro legítimo do trono.
Ali, nasce uma amizade profunda e
verdadeira, capaz de entrelaçar suas almas; e é selada uma aliança tão intensa,
que a Bíblia nos diz que um amou o outro como se fosse sua própria alma (I
Samuel 18:1-4). Amigos, conselheiros e confidentes. Era em Jonatas que o futuro
rei encontrava abrigo e segurança, um ouvido atento que absorvia os seus
desabafos, e um conselho imparcial sempre que necessário. Tamanha era a
compreensão de um com o outro, que Davi chegou a afirmar que a amizade de
Jonatas lhe era melhor que o amor das mulheres (II Samuel 1:26).
Com a popularidade de Davi cada
vez mais alta, o rei Saul se viu corroído pela inveja e pelo medo de ser
sobrepujado por seu genro, e então deixou-se dominar pela loucura, sendo
constantemente atormentado por um espírito mau. Neste ponto, Jonatas se torna
um verdadeiro “anjo da guarda” para Davi, já que toda vez que o rei Saul
elabora um plano para eliminar seu desafeto, Jonatas alertava seu amigo, e o
perigo era neutralizado (I Samuel 19:1-2).
Com furor crescente, Saul
intensificou seus ataques contra Davi, inclusive realizando uma tentativa de
assassinato. Como não logrou êxito em seu intento, o rei cuidou de desconstruir
a imagem de Davi, o tornando em um inimigo público, o que evidenciou ainda mais
a amizade ente Davi e Jonatas, já que sendo aliado de um fugitivo colocava em
risco a própria vida. Mesmo assim, Jonatas se manteve leal a Davi.
Quando a guerra contra os
filisteus irrompeu novamente, os encontros de Davi e Jonatas ficaram cada vez
mais escassos, e com a iminência de uma tragédia anunciada, ambos selam uma
aliança, que determinaria o futuro de um dos mais icônicos personagem da Bíblia:
Mefibosete.
E disse
Jônatas a Davi: O Senhor Deus de Israel seja testemunha! Sondando eu a meu pai
amanhã a estas horas, ou depois de amanhã, e eis que se houver coisa favorável
para Davi, e eu então não enviar a ti, e não to fizer saber; O Senhor faça
assim com Jônatas outro tanto; que se aprouver a meu pai fazer-te mal, também
to farei saber, e te deixarei partir, e irás em paz; e o Senhor seja contigo,
assim como foi com meu pai. E, se eu então ainda viver, porventura não usarás
comigo da beneficência do Senhor, para que não morra? Nem tampouco cortarás da
minha casa a tua beneficência eternamente; nem ainda quando o Senhor
desarraigar da terra a cada um dos inimigos de Davi. Assim fez Jônatas aliança com a casa de Davi, dizendo: O
Senhor o requeira da mão dos inimigos de Davi. E Jônatas fez jurar a Davi de
novo, porquanto o amava; porque o amava com todo o amor da sua alma (I Samuel 20:12-17).
O dia do nascimento de Mefibosete
foi uma verdadeira festa nacional, onde o povo celebrou a chegada de um futuro
rei e a família real pode vislumbrar um futuro glorioso de sucessões no trono
de Israel. Mas a história desta família teria um desfecho trágico apenas cinco
anos depois, quando em uma ferrenha batalha contra os filisteus, seu pai
Jonatas foi morto em combate, e seu avô Saul, para não ser capturado, se suicidou
com a própria espada.
Os gritos histéricos e
desesperados ecoavam pelos corredores do palácio. Os nobres estavam em polvorosa,
pois temiam que com a queda do rei, seu maior inimigo conhecido, ao tomar o
trono, como era usual nestes casos, eliminaria todos os descendentes do rei
anterior (mesmo não sendo esta a intenção
de Davi). Para evitar que Mefibosete tivesse um fim trágico, uma
de suas “amas” o pega no colo afim de retirá-lo do palácio e o levar a um
esconderijo seguro, mas acaba tropeçando e caindo com o menino, que na queda,
quebra ambos os pés, causando-lhe uma deficiência permanente, já que seus ossos
cicatrizaram incorretamente, causando a dupla deformação, além de imensa dor
física e profundos traumas emocionais.
Ao longo de sua vida, Mefibosete
foi chamado por três nomes distintos. Ao nascer, recebeu de seu pai o nome
de Meribe-Baal (Lutador do Senhor). Após
seu “acidente” ganhou a alcunha de Ishboset (homem
da vergonha), até que finalmente se tornou conhecido por Mefibosete (que pode ser entendido como “aquele que
expulsa a vergonha). E este é um bom resumo de sua vida.
Nascido príncipe, perdeu o
direito ao trono e qualquer perspectiva de reconquistá-lo no mesmo dia, pois a
deficiência física que adquiriu em sua infância, não o permitia desenvolver
habilidades bélicas, o que eliminava a chance de liderar um exército para
tentar reaver o trono perdido. Além disso, devido a sua condição, ele sequer
poderia entrar no palácio, pois não se permitia aleijados ali. Desta forma,
Mefibosete foi levado para uma cidade chamada Lô Debar, localizada em uma
região árida e de solo infértil, tanto que não existia pastagens ali. Aquele
lugar era uma colônia de doentes, cegos, leprosos, miseráveis, desprezados e
marginalizados, e é exatamente por isto que Lô Debar era conhecida popularmente
por “lugar do esquecimento”. E foi exatamente isso o que aconteceu. Por quase
vinte anos, Mefibosete ficou completamente esquecido ali, vivendo uma vida tão
miserável, que definiu a si mesmo como um “cão morto” (II Samuel 9:8)
Mefibosete cresceu no deserto de
Lô-Debar, na casa de um homem chamado Maquir, longe de tudo que lhe era de direito, até que
o tempo de Deus chegou e Davi se lembrou da aliança que havia feito com
Jonatas: - “Não há ainda alguém da casa de Saul para que eu use com ele da
benevolência de Deus?” (II Samuel 9:3). E Ziba, um dos funcionários mais
antigos e prestigiados funcionários do palácio respondeu: - “Ainda há um filho
de Jônatas, aleijado de ambos os pés”.
Podemos destacar aqui quatro
visões importantes sobre a vida de Mefibosete:
1) Jonatas o via como um lutador
do Senhor;
2) Ziba o via como um aleijado
impedido de entrar na presença do rei;
3) Ele se via como um cão morto;
4) Davi o via como um príncipe a
quem deveria honrar e restituir.
Quando a guarda imperial bateu na
porta da casa de Maquir e perguntou por Mefibosete, não houve em seu coração
nenhum lampejo de esperança, mas sim a certeza que aquele seria seu fim. No
caminho para o palácio, Mefibosete não apreciou a paisagem, não dialogou com os
guardas, e apenas orou por uma morte rápida e indolor.
Quando chegou ao palácio, o mesmo
local onde havia perdido a capacidade de andar com segurança, ele só esperava
pelo pior. Diante de Davi, ele se lança ao chão clamando por misericórdia, mas
em contrapartida ouve do rei uma frase que lhe acalma instantaneamente o
coração: - Não tenha medo!
Ele se autodenomina “servo”, mas
Davi o trata como um “príncipe” Ao invés de ódio, recebe carinho, ao invés de
violência, recebe admiração, ao invés de inimigo, é chamado de filho. Davi
imediatamente transfere para Mefibosete todo o amor que sentia por Jonatas, e
honra no filho, a aliança que fizera com o pai.
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