A cura de Naamã talvez seja uma das
histórias mais conhecidas da Bíblia, podendo ser analisada, interpretada e
recontada por diversos ângulos temáticos. O milagre em si, é o foco central
deste relato bíblico, mas é a “movimentação” de seus personagens que traz a
grande riqueza literária e espiritual deste texto. Um poderoso general em
desespero, uma esposa zelosa e persistente, uma menina estrangeira fiel as suas
origens, um profeta obstinado, um sábio conselheiro e um servo ganancioso.
Cada ação gera uma reação... Cada decisão
tomada pelo homem motiva a ação imediata de Deus. Muito mais que uma história
sobre milagres, esta é uma história sobre as motivações que determinam quem
somos de verdade, e como Deus intervirá em nossa vida.
A Síria, também chamada Arã,
compreendia o país que ficava entre o rio Eufrates (ao oriente), e o
Mediterrâneo (ao ocidente), com a Cilicia ao norte, e o deserto da Arábia ao
sul, excluindo a Palestina. A Síria possuía muitas cidades famosas dentro dos
seus limites. Entre essas, as principais eram Damasco, Antioquia, Selêucia,
Palmira e Laodicéia. Aparece pela primeira vez na história da Bíblia, aliado
contra Davi com Hadadezer, rei de Zobá (II Samuel 8:5). O resultado da guerra
foi a submissão da Síria a Davi, mas no reinado de Salomão, após uma série de
revoltas populares, ficaram os reinos da Síria independentes de Israel, com
quem tiveram repetidas guerras sob o governo da dinastia de Hadade, entre as
quais o notável o cerco de Samaria, descrito em II Reis 6 e 7. Depois disto,
assassinou Hazael o rei da Síria, e usurpou o trono, oprimindo o reino de
Israel, sendo posteriormente vencido por Jeoás, rei de Israel (II Reis 13:22-
25). Jeroboão II estabeleceu uma aliança entre a Síria e Israel contra Acaz,
rei de Judá, sendo que este chamou em seu auxilio o monarca assírio,
Tiglate-Pileser. Este viria a ser o começo da derrocada síria para os assírios.
E é exatamente esta história de amor e
ódio entre Israel e Síria (hoje, muito mais inclinada ao ódio) que contextualiza a emblemática história de Namaã, o general
leproso.
No período bíblico, a lepra era a mais
aterradora das enfermidades, pois além do aspecto contagioso, ela ainda era
incompreendida, e, portanto, incurável. Os portadores desta doença eram
exilados do convívio social e se isolavam em colônias leprosarias fora da
cidade, onde morriam não apenas em decorrência da enfermidade, como também pela
privação dos víveres básicos. Naamã era um homem de poder, uma figura
de destaque na nação e temido pelos seus inimigos (II Reis 5:1). Só havia um
problema: era portador de lepra, uma doença incurável, que fazia desse grande
vencedor um homem derrotado. Naamã era um vencedor vencido por uma doença.
Sabemos que existem variação nas formas em que a lepra se manifesta, e que
provavelmente Naamã era portador de uma variante menos violenta da doença,
podendo manter relações sociais. Mesmo assim, é evidente o desconforto das
pessoas a sua volta com a situação, bem como o sofrimento físico e emocional de
Naamã, cujas atribuições militares exigiam dele saúde e disposição, duas coisas
que a “lepra” consumia progressivamente. Ele ansiava por um milagre.
A Bíblia nos mostra que havia em sua
casa uma menina sem nome, porém, muito importante em sua vida, a qual foi
trazida cativa da terra de Israel por suas tropas (II Reis 5.2). Vendo seu
estado e preocupando-se com seu bem estar, a menina comunica a esposa do
general que seu marido poderia ser restaurado se estivesse diante do profeta
que estava em Samaria. A palavra dessa menina trouxe ânimo à sua esposa que,
com entusiasmo, lhe deu a notícia. Com as esperanças renovadas, Naamã fez saber
a seu rei, o qual escreve uma carta ao rei de Israel e entrega provisões a seu
valoroso general.
Pouco sabemos sobre estas duas
mulheres, apenas que uma era a devotada esposa de Naamã e que a outra não
passava de uma serviçal com origem israelita e pouca idade. Mas existe aqui uma
lição valiosa sobre nunca negar quem na verdade somos. Não existem registros
detalhados sobre a menina deportada, mas o texto evidencia que ela conhecia
muito bem a sua história, sua gente e o local de sua origem. Da cozinha daquela
grande casa, ela podia acompanhar o sofrimento de seus senhores devido a doença
de Naamã, observava o vai e vem dos médicos com diagnósticos cada vez mais
pessimistas e os momentos de fraqueza daquele que era um herói nacional.
Segundo a Bíblia, embora não fosse um
servo do Deus Verdadeiro, Naamã era um homem bom e integro e isso comoveu o
coração daquela menina, que se sentia impelida a fazer algo em favor de seu
patrão e sabia como ajudar. Porém, sua posição de serviço não lhe proporcionava
voz ativa naquela casa, e o fato de se manter calada era uma garantia de evitar
se envolve-se em problemas futuros. E agora? Omitir-se e ficar na zona de
conforto ou expor-se perigosamente para ajudar o próximo? Aquela menina
escolheu o caminho que poderia lhe trazer consequências terríveis em caso de
engodo, e reportando-se a sua senhora, garantiu que em Samaria, havia um
profeta que poderia curar seu marido.
A esposa de Naamã entra nesta história
na exata posição descrita em Provérbios 14:1: “A mulher sábia
edifica o seu lar”, e se apressa em anunciar as boas novas. Embora suas
esperanças tenham sido castigadas por decepções e suas forças para lutar cada
dia estejam mais escassas, aquela mulher decide agarrar-se a um novo fio de fé
e encoraja seu marido a buscar ajuda no lugar mais improvável: uma cidade
subjulgada. Mas o que levou a esposa do general Naamã a confiar tão cegamente
nas palavras de uma criança? O pragmatismo dirá que foi o desespero, porém há
uma possibilidade que melhor se enquadra nesta história: TESTEMUNHO.
O último agente usado por Deus para a
cura de Naamã foi o profeta Eliseu, que tanto ignorou sua presença quanto seus
presentes. Por intermédio de seu servo Geazi, enviou um recado para Naamã
instruindo que ele mergulhasse por sete vezes no Rio Jordão. Este caudaloso rio
de águas escuras origina-se de quatro rios menores cujas cabeceiras estão no
monte Hermon; chamados Barreight, Hasbani, Ledam e Banias, com profundidades
variando de 3 a 35 metros em seu corredor. O nome original deste rio é
Iarden, que significa “declive” ou “o que desce”. Logo, este era o desafio
proposto a Namaã, descer de sua posição altiva e se sujeitar a voz do Senhor.
Quando Naamã se mostrou relutante a
instrução do profeta e decidiu voltar para a casa sem realizar a missão
recomendada, foi um dos seus servos quem lhe deu o sábio conselho: Senhor, se
já viemos até aqui, o que custa agora fazer conforme a palavra do profeta? São
apenas mergulhos, e isso é fácil de fazer. Caso ele tivesse lhe pedido algo
muito mais difícil, o Senhor não faria? – Depois destas palavras de seu
subalterno, o poderoso Naamã revê suas convicções, e considera justo o
argumento apresentado.
Neste ponto, ainda sem saber, Naamã
começa a ser curado interiormente, deixando aflorar um sentimento de humildade
que seria a chave do milagre. Ao chegar no Jordão, Naamã se viu frente a frente
com a batalha mais ferrenha de sua vida, a luta contra o próprio “eu”.
Despindo-se de suas roupas militares, afunda nas águas lamacentas do rio pela
primeira vez, mais nada acontece. Segunda vez... Nada... Terceira vez... Ainda
leproso... Quarta vez... Leproso e enlameado... Quinta vez... Nada acontece
outra vez... Sexta vez... Frustração e desespero... Sétima e última vez... Naamã
retorna a superfície com a pele tão limpa quanto a de um bebê.
Após o milagres, Namaã quis presentear
o profeta com trezentos e cinquenta quilos de prata, setenta e dois quilos de
ouro, e dez vestes festivas coloridas e caríssimas, mimos que Elizeu recusou
prontamente. O profeta era um homem conectado, inviolável, e que jamais seria
capaz de negociar seu ministério ou a benção de Deus. Com esta atitude, ele nos
ensina que “unção” representa o selo de uma autoridade, e que homens de Deus
devem ser incorruptíveis, não misturando o santo com o profano.
Por outro lado, seu servo Geazi, ao ver
as riquezas oferecidas ao seu amo, deixou a cobiça falar mais alto e criou um
estratagema para conseguir tomar possa daquelas preciosidades. Ele esperou que
Naamã se afastasse o suficiente para não levantar suspeitas, e então partiu
atrás da comitiva síria. Ao alcançá-los, disse ao general Naamã que Elizeu
mudará de ideia e decidirá aceitar os presentes. Assim, voltou para a casa
abarrotado de riquezas conseguidas através da mentira, da desobediência e do engano.
Como consequência deste ato, a lepra de Naamã foi transferida para ele, culminando em seu isolamento social. A doença impossibilitou que Geazi continuasse servindo ao profeta, pondo fim a um ministério que poderia ser tão bem sucedido quanto ao de seu professor, vide o exemplo de Elias e Elizeu.
Como consequência deste ato, a lepra de Naamã foi transferida para ele, culminando em seu isolamento social. A doença impossibilitou que Geazi continuasse servindo ao profeta, pondo fim a um ministério que poderia ser tão bem sucedido quanto ao de seu professor, vide o exemplo de Elias e Elizeu.
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