segunda-feira, 2 de março de 2015

Deus se arrepende?

A história de Noé começa com um dos maiores dilemas teológicos existentes. Afinal, um Deus que segundo Números 23:19 e Malaquias 3:6, não mente, não se arrepende e nem passa por mudanças, neste caso, aparentemente, se arrependeu de sua maior criação: - Então, arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lhe o coração (Gênesis 6:6).

Para elucidar esta questão, em primeiro lugar precisamos entender que os desígnios do Senhor são inalteráveis, e que todos os seus planos, terão uma conclusão dentro do planejamento original, independentemente do ocorrido durante o percurso (Jó 42:2). Para entender esta questão, é preciso ter em mente que Deus está numa linha temporal diferente da nossa. Enquanto vivemos o “cronos”, regulado por minutos, dias e anos; Deus habita no kairós, o tempo perfeito e completo, medido apenas de eternidade a eternidade. Logo, nós aqui na terra, vivemos e analisamos os fatos de forma imediata, enquanto Deus visualiza passado, presente e futuro em uma única óptica.

Assim, em nosso entendimento, Deus pode até ter “mudado” seu modo operante, mas na verdade, o desígnio continua intacto. Ou seja, muda se a ação imediata, mas o resultado a longo prazo será o mesmo. Quando olhamos para a Bíblia e nos deparamos com as expressões como “Deus se arrependeu”, “voltou atrás” ou “mudou de opinião sobre determinada questão”, estamos na verdade enxergando uma postura de Deus em relação as escolhas feitas pelo homem e não de reviravoltas mirabolantes em seu próprio plano. Digamos que existe apenas “o” ponto final, mas quem decide como chegar lá, é a própria humanidade.

Ou seja, Deus não muda e de fato não se arrepende, mas atua de formas diferentes, dependendo da postura tomada pelo homem.

Um caso clássico é a reação de Nínive diante da mensagem de Jonas. O profeta apenas informou o juízo para aquela cidade perversa, proclamando a iminente destruição, mas surpreendentemente, o povo ninivita, tomou uma posição de arrependimento, e aquela geração foi poupada. Deus agiu por amor e com misericórdia em virtude do quebrantamento espiritual daquela gente, mas a Justiça de Deus foi realizada cerca de 150 anos depois, quando Nínive caiu pelas mãos dos caldeus, mesmo após um novo anuncio prévio ter sido proferido por Naum.

Num aspecto mais abrangente, podemos citar o que muitos consideram o verso chave das escrituras: João 3:16 – “Por que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” – O plano de Deus aqui revelado, é que todos aqueles que crerem em Jesus, encontrem a salvação. Isto jamais será alterado, ninguém muda ou adapta; mas a decisão de crer ou não é pertinente a cada pessoa individualmente.

Devemos ter consciência, que Amor e Justiça são atributos da personalidade de Deus, e ambos agem de forma simbiótica, não havendo possibilidade de uma prevalecer sobre a outra. Deus é bom porque é justo, e é justo porque é bom. Exatamente por isto, Ele estabeleceu diretrizes que indicam ao homem o caminho a ser seguido rumo ao destino por ele desejado, uma estrada certeira que conduz a salvação, onde não há erro e nem dolo. Mas infelizmente o homem escolhe atalhos (Jeremias 29:11).

Estas decisões erradas da humanidade, jamais irão alterar o plano original de Deus, mas certamente aceleraram um processo imediato de intervenção, seja para bem ou para mal.

Em Gêneses vemos Deus se confrontando com a terrível realidade dos homens que se tornaram maus e inconsequentes, corromperam-se, e neste processo corromperam a terra também. A “morte”, neste caso, era apenas uma consequência das próprias ações da humanidade, já que a sentença de que o pecado atrairia a morte fora dada ao primeiro casal ainda no Éden (Gênesis 2:17). Logo, Deus estava em total direito de tomar para si as vidas que lhe eram devidas em decorrência da calamidade pecaminosa que se instalará no mundo, e o dilúvio apenas “adiantaria” o processo. De qualquer forma, o plano original estava mantido. Em contrapartida, os desígnios de Deus convergiam para que a terra fosse povoada a partir de uma família, e neste caso, Deus mantém sua estratégia, apenas substituindo Adão por Noé. Muda-se os personagens, mas a história, do ponto de vista eterno, continua inalterável.
 
Numa linguagem figurada, podemos dizer que Deus não mexeu no tabuleiro, apenas reposicionou as peças. Os leitores mais atentos entendem que o “arrependimento sentido por Deus”, fala de sua tristeza pela condição humana, e é de fato o estopim para um recomeço, onde a iniquidade é, literalmente, lavada de sobre a terra, e uma nova semente de bondade é plantada através de Noé. As gerações seguintes cometeram os mesmos erros de seus antepassados, mas cumprindo a promessa feita de retardar a destruição, Deus investiu ao longo da história em novos começos. Em Abraão Ele iniciou Israel (uma nação para ser modelo), em Jesus iniciou a Igreja (um povo santo e separado para ser luz do mundo) e futuramente iniciará em Cristo, um reino perfeito de paz e felicidade permanente, descrito nos últimos capítulos de Isaías.

Pb. Miquéias Daniel Gomes

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