quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Davi, Jonatas e Mefibosete - O valor de uma aliança


Após derrotar o gigante Golias, o jovem Davi é conduzido nos braços do povo até o palácio real, causando um perigoso sentimento de inveja no rei. Saul recebe Davi com as honras prometidas, mas imediatamente desenvolve um imenso desprezo por aquele que seria seu genro, que só aumenta à medida que Davi vai mostrando seu valor e ganhando apresso popular.

Se o atual rei temia que o jovem Davi pudesse tirá-lo de seu trono, seu sucessor imediato pensa exatamente o contrário, aceitando o fato que o verdadeiro herdeiro do trono de Israel não será identificado pelo sangue, mas sim pela unção. Desde a primeira vez que viu Davi, Jonatas se simpatizou com a figura jovial do belemita, e enquanto seu pai fazia pouco caso do pastorzinho recentemente promovido a herói nacional, Jonatas vislumbra o futuro da nação, e num ato profético, retira seu manto real e veste Davi com ele. Jonatas também entrega para Davi suas vestes, a sua espada, o seu arco e o seu cinto, numa transferência simbólica do direito de ser o herdeiro legítimo do trono.

Ali, nasce uma amizade profunda e verdadeira, capaz de entrelaçar suas almas; e é selada uma aliança tão intensa, que a Bíblia nos diz que um amou o outro como se fosse sua própria alma (I Samuel 18:1-4). Amigos, conselheiros e confidentes. Era em Jonatas que o futuro rei encontrava abrigo e segurança, um ouvido atento que absorvia os seus desabafos, e um conselho imparcial sempre que necessário. Tamanha era a compreensão de um com o outro, que Davi chegou a afirmar que a amizade de Jonatas lhe era melhor que o amor das mulheres (II Samuel 1:26). 

Com a popularidade de Davi cada vez mais alta, o rei Saul se viu corroído pela inveja e pelo medo de ser sobrepujado por seu genro, e então deixou-se dominar pela loucura, sendo constantemente atormentado por um espírito mau. Neste ponto, Jonatas se torna um verdadeiro “anjo da guarda” para Davi, já que toda vez que o rei Saul elabora um plano para eliminar seu desafeto, Jonatas alertava seu amigo, e o perigo era neutralizado (I Samuel 19:1-2).

Com furor crescente, Saul intensificou seus ataques contra Davi, inclusive realizando uma tentativa de assassinato. Como não logrou êxito em seu intento, o rei cuidou de desconstruir a imagem de Davi, o tornando em um inimigo público, o que evidenciou ainda mais a amizade ente Davi e Jonatas, já que sendo aliado de um fugitivo colocava em risco a própria vida. Mesmo assim, Jonatas se manteve leal a Davi.

Quando a guerra contra os filisteus irrompeu novamente, os encontros de Davi e Jonatas ficaram cada vez mais escassos, e com a iminência de uma tragédia anunciada, ambos selam uma aliança, que determinaria o futuro de um dos mais icônicos personagem da Bíblia: Mefibosete. 

E disse Jônatas a Davi: O Senhor Deus de Israel seja testemunha! Sondando eu a meu pai amanhã a estas horas, ou depois de amanhã, e eis que se houver coisa favorável para Davi, e eu então não enviar a ti, e não to fizer saber; O Senhor faça assim com Jônatas outro tanto; que se aprouver a meu pai fazer-te mal, também to farei saber, e te deixarei partir, e irás em paz; e o Senhor seja contigo, assim como foi com meu pai. E, se eu então ainda viver, porventura não usarás comigo da beneficência do Senhor, para que não morra? Nem tampouco cortarás da minha casa a tua beneficência eternamente; nem ainda quando o Senhor desarraigar da terra a cada um dos inimigos de Davi. Assim fez Jônatas aliança com a casa de Davi, dizendo: O Senhor o requeira da mão dos inimigos de Davi. E Jônatas fez jurar a Davi de novo, porquanto o amava; porque o amava com todo o amor da sua alma (I Samuel 20:12-17).

O dia do nascimento de Mefibosete foi uma verdadeira festa nacional, onde o povo celebrou a chegada de um futuro rei e a família real pode vislumbrar um futuro glorioso de sucessões no trono de Israel. Mas a história desta família teria um desfecho trágico apenas cinco anos depois, quando em uma ferrenha batalha contra os filisteus, seu pai Jonatas foi morto em combate, e seu avô Saul, para não ser capturado, se suicidou com a própria espada.

Os gritos histéricos e desesperados ecoavam pelos corredores do palácio. Os nobres estavam em polvorosa, pois temiam que com a queda do rei, seu maior inimigo conhecido, ao tomar o trono, como era usual nestes casos, eliminaria todos os descendentes do rei anterior (mesmo não sendo esta a intenção de Davi).  Para evitar que Mefibosete tivesse um fim trágico, uma de suas “amas” o pega no colo afim de retirá-lo do palácio e o levar a um esconderijo seguro, mas acaba tropeçando e caindo com o menino, que na queda, quebra ambos os pés, causando-lhe uma deficiência permanente, já que seus ossos cicatrizaram incorretamente, causando a dupla deformação, além de imensa dor física e profundos traumas emocionais.

Ao longo de sua vida, Mefibosete foi chamado por três nomes distintos. Ao nascer, recebeu de seu pai o  nome de Meribe-Baal (Lutador do Senhor). Após seu “acidente” ganhou a alcunha de Ishboset (homem da vergonha), até que finalmente se tornou conhecido por Mefibosete (que pode ser entendido como “aquele que expulsa a vergonha). E este é um bom resumo de sua vida.

Nascido príncipe, perdeu o direito ao trono e qualquer perspectiva de reconquistá-lo no mesmo dia, pois a deficiência física que adquiriu em sua infância, não o permitia desenvolver habilidades bélicas, o que eliminava a chance de liderar um exército para tentar reaver o trono perdido. Além disso, devido a sua condição, ele sequer poderia entrar no palácio, pois não se permitia aleijados ali. Desta forma, Mefibosete foi levado para uma cidade chamada Lô Debar, localizada em uma região árida e de solo infértil, tanto que não existia pastagens ali. Aquele lugar era uma colônia de doentes, cegos, leprosos, miseráveis, desprezados e marginalizados, e é exatamente por isto que Lô Debar era conhecida popularmente por “lugar do esquecimento”. E foi exatamente isso o que aconteceu. Por quase vinte anos, Mefibosete ficou completamente esquecido ali, vivendo uma vida tão miserável, que definiu a si mesmo como um “cão morto” (II Samuel 9:8)

Mefibosete cresceu no deserto de Lô-Debar, na casa de um homem chamado Maquir,  longe de tudo que lhe era de direito, até que o tempo de Deus chegou e Davi se lembrou da aliança que havia feito com Jonatas: - “Não há ainda alguém da casa de Saul para que eu use com ele da benevolência de Deus?” (II Samuel 9:3). E Ziba, um dos funcionários mais antigos e prestigiados funcionários do palácio respondeu: - “Ainda há um filho de Jônatas, aleijado de ambos os pés”. 

Podemos destacar aqui quatro visões importantes sobre a vida de Mefibosete:

1) Jonatas o via como um lutador do Senhor;
2) Ziba o via como um aleijado impedido de entrar na presença do rei;
3) Ele se via como um cão morto;
4) Davi o via como um príncipe a quem deveria honrar e restituir.

Quando a guarda imperial bateu na porta da casa de Maquir e perguntou por Mefibosete, não houve em seu coração nenhum lampejo de esperança, mas sim a certeza que aquele seria seu fim. No caminho para o palácio, Mefibosete não apreciou a paisagem, não dialogou com os guardas, e apenas orou por uma morte rápida e indolor.

Quando chegou ao palácio, o mesmo local onde havia perdido a capacidade de andar com segurança, ele só esperava pelo pior. Diante de Davi, ele se lança ao chão clamando por misericórdia, mas em contrapartida ouve do rei uma frase que lhe acalma instantaneamente o coração: - Não tenha medo!

Ele se autodenomina “servo”, mas Davi o trata como um “príncipe” Ao invés de ódio, recebe carinho, ao invés de violência, recebe admiração, ao invés de inimigo, é chamado de filho. Davi imediatamente transfere para Mefibosete todo o amor que sentia por Jonatas, e honra no filho, a aliança que fizera com o pai. 

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