27 de Agosto de 2004, sexta feira, um
dia como outro qualquer. Levanto pela manhã, coloco minha moto na área de casa
e a ligo para esquentar o motor. Tomo meu café e me preparo para ir ao
trabalho. Olho para o relógio e vejo que ainda faltam alguns minutos para
partir, então entro em meu quarto, dobro meus joelhos no pé da cama para orar.
Dali em diante minha vida passa a depender completamente de Deus...
Acordo já na madrugada de sábado dentro
da Santa Casa de Mogi Guaçu, mais precisamente em umas das salas da UTI, sem me
lembrar de absolutamente nada do que havia acontecido. Nada fazia sentido pra
mim... Lembro-me apenas de estar em uma maca no corredor do hospital e de ver
meus pais. Fui levado para um quarto e aos poucos fui ouvindo os comentários e
recuperando parcialmente as lembranças.
O que posso afirmar com certeza, é que
em frações de segundos a minha vida e a vida de meus pais mudariam para sempre.
Ainda hoje não lembro os detalhes do acidente, mas segundo relatos de
testemunhas, eu estava com minha moto atrás de um ônibus escolar, quando surgiu
um caminhão em alta velocidade e eu me choquei em sua lateral. Não desmaiei no
local, segundo meu pai, ainda pedi para que ele avisasse a empresa de meu acidente.
Ali começava a batalha. Com o passar
dos dias fui tomando consciência da gravidade do acidente, pois não conseguia
andar e nem ao menos me mexer. Minha mãe foi informada pelos médicos que o
curativo na minha perna teria que ser feito sem anestesia. A enfermeira,
com a ajuda de minha mãe, me levou até o chuveiro e ali começou a tirar o
curativo e ai sim tive noção real do que estava acontecendo comigo. Minha perna
estava sem pele, sem músculo e com o osso do fêmur exposto. Lembro-me da expressão
no rosto de minha mãe, que apesar de tudo se mantinha forte, pois sabia que eu
precisava da sua força naquele momento.
Após 60 dias internado, meu pai num
grande esforço encontrou um médico especialista no Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto, e então recebi minha primeira alta; mas mesmo assim fazendo os
curativos no Pronto Socorro da Santa Casa.
Ah, os curativos! Como eram demorados e
sofridos. No geral as enfermeiras, muitas delas chocadas com a situação,
gastavam uma hora e meia, além de três litros de soro no procedimento, pois até
os nervos precisavam ser lavados. Fiquei apenas três dias em casa, e mesmo que
fosse por pouco tempo me alegrei em ver de novo minhas coisas, entre elas minha
moto, que ao contrário de mim, estava apenas com um retrovisor, uma seta e com
o farol quebrado. Entre as muitas visitas, apoios e orações, esses dias se
passaram rápidos e chegou o momento de ir para o HC de Ribeirão Preto. Dentro
da ambulância eu estava muito alegre, fazia planos e projetos, pois sabia que
naquele hospital meus problemas seriam resolvidos. Uma vez lá dentro, fomos
atendidos pelo médico, que me examinou. Mas a grande notícia que esperávamos
não veio. Ele olhou para os meus pais se lamentando e disse que nada poderia
fazer, pois ali já haviam sido cometidos erros médicos e até mesmo a guia
enviada era diferente da que ele tinha analisado.
Voltamos para casa em silêncio. As
esperanças deram lugar às frustrações... Palavras em nada poderiam nos ajudar.
Minha mãe segurava o choro para que eu também não chorasse. A sensação de insegurança
dominava... Parecia ser de fato o fim.
No outro dia muito cedo, meu pai, um
verdadeiro guerreiro, já estava na porta da Santa Casa defendendo seu filho.
Chamou o diretor, os médicos e botou pra quebrar. Fui internado por mais quinze
dias e então transferido para um especialista em ortopedia na Santa Casa de
Limeira. Era um reinício.
Cheguei naquele lugar muito debilitado,
fui examinado e diagnosticado com anemia.
Depois de trata-la e me recuperar da fraqueza, uma nova fase do tratamento se
iniciou, desta vez em duas partes, primeiro na perna e depois seria a vez do
meu braço.
No acidente, perdi 60% da massa
muscular da minha perna, e para repor
essa perca foi necessário um longo
procedimento envolvendo inúmeras cirurgias de reposição de pele que me deixaram
extremamente debilitado. Hoje não tenho 40% da massa muscular da coxa esquerda
e quem me vê, por exemplo, subindo as escadas da igreja, não imagina o tamanho
do milagre. Ando normalmente sem mancar mesmo depois de tanta dor e sofrimento;
dos curativos terríveis e de cada enxerto de pele retirada da minha coxa
direita, onde as gazes eram colocadas e na hora de retira-las, a sensação que
eu tinha era que minha alma era arrancada junta. Por tudo porém, Deus seja
louvado!
O tratamento do meu braço durou dois
longos anos, esgotando-se nele todos os procedimentos e possibilidades médicas.
A cada alta, algo diferente acontecia, e não podia haver tempo de espera para
se retornar aos cuidados ambulatoriais. Mesmo assim era necessário enfrentar a
fila do SUS ou encarar a barreira da questão financeira. Calcula-se que foram
gastos neste tratamento aproximadamente R$ 150.000; isso para uma família que
tinha como renda três salários mínimos, que na época, não passavam de R$ 380.
Precisava fazer uma cirurgia urgente
que só poderia ser realizada em São Paulo a um custo de R$ 15.000. Meu pai e um
grupo de amigos se empenharam numa comitiva que saiu pela cidade de Estiva
Gerbi, batendo de porta em porta, pedindo ajuda. Conseguimos dividir o valor em
três cheques de R$ 5.000 e a cirurgia foi marcada para o primeiro sábado do ano
de 2005. Meu pai, juntamente com o irmão Dionísio, que ajudou meus pais a
administrar toda esta parte financeira, e a quem eu ofereço minha eterna
gratidão, foram até o presidente de nossa igreja, o Pr. Gesse Plácido Ribeiro e
expuseram a ele o meu caso.
O Pr. Gesse não prometeu nada, somente
pediu que fossemos ao culto de ensino na sede da Igreja Assembleia de Deus
Madureira em Mogi Guaçu (ministério ao qual eu faço parte), que nessa época ainda
se situava na rua Araras, 29. O culto transcorreu como de praxe e antes da
mensagem o Pr. Gesse me chamou até a frente do púlpito e falou a todos da minha
necessidade. Naquele culto foi retirada uma oferta no exato valor da entrada
que precisávamos para a realização da cirurgia, R$ 5.000. Uma grande benção!
Muitas outras cirurgias foram feitas,
mas mesmo com tudo isso, uma infecção muito forte me acometeu agravando ainda
mais a situação. A cada procedimento médico a infecção ficava mais resistente e
os remédios, por serem muito caro não eram fornecidos pelo hospital.
Como bancar tantas despesas com uma
renda tão baixa? Meu pai era recém-aposentado, minha irmã que trabalhava como
empregada doméstica e minha mãe parou de trabalhar, pois eu precisava de
cuidados em tempo integral. Foi Deus quem colocou em nosso caminho amigos e deu
forças para meu pai se superar a cada dia. Com tudo isto, nunca faltou o pão em
nossa mesa. Deus nos abençoava e cada visita que recebíamos, era recepcionada
com um delicioso café.
A Santa Casa de Limeira é um lugar
inesquecível pra mim. Ali presenciei muita coisa. Coisas que me marcaram e
mudaram minha vida. Quantos amigos fiz ali. Recordo-me da missionária FÁTIMA
que todos os dias ia me visitar e orar; lia versículos bíblicos e me dava muita
força. Conheci uma irmã da Igreja do Evangelho Quadrangular que também estava
em tratamento, éramos vizinhos de quarto, mas conversávamos pouco, pois ela
estava com câncer em estado terminal. Era muito nova, com no máximo trinta anos
e eu a via naquele sofrimento terrível, mas sempre com uma alegria especial
estampada no rosto. Mas teve um dia que foi diferente; seus gritos ecoavam
pelos corredores, os médicos liberaram as visitas, pois a hora daquela irmã
estava chegando e daquela noite ela não passava. Muito choro eu ouvi dos seus
familiares, até que então, por volta da seis da manhã ela se recompôs, sentou
-se na cama, conversou com o marido e os filhos, falou com seus pais, deitou se
tranquilamente em silêncio e partiu para a glória. Deus lhe dera a chance de se
despedir de seus entes queridos. Recordo-me da sua mãe me dizendo: “Tudo o que
eu pude fazer por minha filha eu fiz, hoje minha ela esta do lado de Deus”.
Em uma das cirurgias que ia enfrentar,
já na sala de espera, conheci um senhor com aproximadamente quarenta anos de
idade que iria ser operado também. Eu deitado numa maca e ele ali deitado na
outra bem ao meu lado. Conversamos por uns 15 minutos, e descobri que a
cirurgia dele era bem mais simples que a minha e o médico que o operaria era o
mesmo que faria a minha cirurgia também. O enfermeiro veio busca-lo, nos
despedimos e ele me disse: “Até breve campeão!” Enquanto aguardava minha vez,
percebi que algo tinha acontecido. O médico veio à sala onde eu estava, chamou
os familiares daquele homem e os informou que ele não resistira ao procedimento
e havia falecido. O desespero daquela família, o choro e os gritos entravam nos
meus ouvidos e enchiam meu coração de angústia, pois eu era o próximo a ser
operado. Enquanto esperava, orava e buscava a Deus, vi o enfermeiro passar ao
meu lado com a maca e aquele homem morto, coberto com um lençol. Logo em
seguida o médico veio me buscar para o meu procedimento. Passei em frente à
sala onde meu colega acabará de morrer. Ela estava sendo limpa e então pensei:
“Senhor, estou em suas mãos!” Sobrevivi!
Conheci também um jovem que tinha apenas
dezessete anos e que após sofrer um grave acidente de trem, teve suas duas
pernas amputadas, uma abaixo e a outra acima do joelho. Ele e seus amigos
subiram num trem de carga em Hortolândia em sentindo a Limeira e vieram
“surfando” até que ele se desequilibrou e caiu sobre os trilhos e o trem passou
sobre suas pernas. Os amigos fugiram e ele precisou se arrastar até uma estrada
de terra próxima dali para pedir socorro. Ele estava desviado da igreja, mas se
reconciliou, mostrando muita força; e no tempo que passamos juntos, estava sempre alegre e otimista, ciente que Deus havia mudado realmente sua vida.
Quando já se completava dois anos do
meu acidente, o médico que cuidava de mim foi afastado do hospital e outra
equipe chegou para prosseguir com o tratamento, e ao contrário do que meu médico
fizera até o momento, eles optavam pela amputação do meu braço. Começamos a
ouvir muitas outras opiniões médicas, e onde diziam haver um especialista,
estávamos lá. Fomos a Itapira, Campinas e São Paulo, mas foi no hospital
regional de Divinolândia que após ouvir várias opiniões, ouvi algo realmente
impactante de um médico. Ele me disse que ambas as condutas tinham o seu
mérito, mas que estava em minhas mãos decidir finalizar o tratamento ou
continuar me apegando ao restinho de esperança. Parei e refleti em tudo que já
tinha passado e tomei a difícil decisão: Optei pela amputação que poria um fim
ao sofrimento! Em nossa caminhada Deus está no controle, mas existem momentos
em que a decisão é nossa, e Deus estará em nosso lado, por mais difícil que
seja a decisão tomada.
A cirurgia foi marcada e no dia 02 de
Agosto de 2006 me internei, ciente que na manhã do dia seguinte eu estaria fechando
um ciclo da minha vida e iniciando outro. Naquela noite, véspera da cirurgia,
foram momentos tristes e de despedidas. Eu sozinho naquele quarto, deitado na
cama com meu braço em cima do meu peito, olhava para aquele membro do meu
corpo, parte importante de mim e chorava, orava e cantava, numa mistura de
sentimentos que explodiam dentro de mim, sem saber muito bem como seria minha
vida a partir dali.
Amanheci em silêncio e fui levado à
sala cirúrgica, segurando meu braço pela última vez. Após algum tempo, retornei
da cirurgia já sem o meu braço. Precisei e tive todo o apoio da minha família
para poder olhar novamente no espelho, reaprender hábitos simples, me adaptar e
me superar diariamente. Damos valor a coisas simples apenas quando a perdemos e
como aquele braço me fez falta...
Mesmo em meio deste furacão que estava
passando, me casei. Infelizmente esse casamento não deu certo. A frase que o
pastor disse na hora da cerimônia: “Na alegria, ou na tristeza; na saúde ou na
doença; até que a morte os separe”, acabou sendo uma sentença não muito válida
para nós, pois o amor da minha esposa foi menor que a provação e ela me deixou,
levando no seu ventre nossa filhinha de sete meses. Tive que recomeçar minha
vida outra vez.
Dez anos se passaram desde o meu
acidente. Estou em constante processo de superação e Deus tem me dado força,
pois sem ele o que seria de mim. Em tudo o que passei, louvo ao meu Deus, pois
sei que ele foi o meu sustendo, pois sem ele eu não teria tido forças o
suficiente. Eu o louvo pela vida de meu pai, o famoso TONINHO do LUDI, pela
minha mãe ROMILDA e pela minha irmã ELAINE... Pelos meus amigos, alguns tão
especiais... Pela minha igreja Assembleia de Deus Madureira em Estiva Gerbi,
pelo nosso ministério de Mogi Guaçu, pelo nosso presidente Pr. Gesse Plácido
Ribeiro e pelos meus familiares, meus tios, tias e primos...
Hoje sou mais que vencedor! Na época de
meu acidente muitos disseram que eu iria ficar para sempre numa cadeira de
rodas, mas hoje eu ando e caminho firmemente pela e para a glória do
Senhor Jesus.
Quando precisamos de dinheiro, muitos
diziam: Vendam o carro... Vendam a casa... Mas Deus abriu as portas e nos
abençoou.
Hoje estou casado novamente. Minha
esposa Marli é uma benção na minha vida, e Deus tem nos presenteado com uma
herdeira que veio para dar a nossas vidas um sentido completamente
diferente... Um novo recomeço!
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