Ajoelhado
na praia da Índia, Henrique Martyn derramava a alma perante o Mestre e orava:
"Amado Senhor, eu também andava no país longínquo; minha vida ardia no
pecado... desejaste que eu me tornasse, não mais um tição para espalhar a
destruição, mas uma tocha brilhando por ti (Zacarias 3.2). Eis-me aqui nas
trevas mais densas, selvagens e opressivas do paganismo. Agora, Senhor, quero
arder até me consumir inteiramente por ti!"
O intenso ardor daquele dia sempre motivou a vida
desse moço. Diz-se que o seu é "o nome mais heróico, que adorna a história
da Igreja da Inglaterra, desde os tempos da rainha Elisabete." Contudo,
até entre seus patrícios, ele não é bem conhecido.
Seu pai era de físico franzino. Depois de o seu progenitor
falecer, os quatro filhos, inclusive Henrique, não tardaram a contrair a mesma
enfermidade, a tuberculose. Com a morte do pai, Henrique perdeu seu intenso
interesse pela matemática e se interessou grandemente na leitura da Bíblia.
Diplomou-se com mais honras do que todos da sua classe. O Espírito Santo,
porém, falou à sua alma: "Buscas grandes coisas para ti. Não as
busques!" Acerca dos seus estudos testificou: "Alcancei o ponto mais
alto que desejara, mas fiquei desapontado ao ver como, apenas, tinha agarrado
uma sombra."
Tinha por costume levantar-se cedo, de madrugada, e
andar sozinho, pelos campos para desfrutar de comunhão íntima com Deus. O
resultado foi que abandonou para sempre o plano de ser advogado, um plano que,
até aí, ainda seguia, porque "não podia consentir em ser pobre pelo amor
de Cristo."
Ao ouvir um sermão sobre "O Estado Perdido dos
Pagãos" resolveu dar a sua vida como missionário. Ao conhecer a vida
abnegada do missionário Guilherme Carey, na sua grande obra na Índia, sentiu-se
dirigido a trabalhar no mesmo país.
O desejo de levar a mensagem de salvação aos povos
que não conheciam a Cristo, tornou-se como um fogo inextinguível na sua alma
pela leitura da biografia de David Brainerd, o qual morrera quando ainda muito
jovem, com a idade de vinte e nove anos (sua vida fora gasta inteiramente no
serviço de amor intenso aos silvícolas da América do Norte). Henrique Martyn
reconhecia que, como foram poucos os anos da obra de David Brainerd, havia
também para ele pouco tempo, e se acendeu nele a mesma paixão de gastar-se,
inteiramente por Cristo, no breve espaço de tempo que lhe restava. Seus sermões
não consistiam em palavras de sabedoria humana, mas sempre se dirigia ao povo
como "um moribundo, pregando aos moribundos".
Havia um grande embaraço para Henrique Martyn: a
mãe da sua noiva, Lídia Grenfel, não consentiria que eles se casassem, se ele
insistisse em levá-la para o estrangeiro. Henrique amava a Lídia e o seu maior
desejo terrestre era estabelecer um lar e trabalhar junto com ela na seara do
Senhor. Acerca disto, ele escreveu no seu diário: "Continuei uma hora e
mais em oração, lutando contra o que me ligava... Cada vez que estava perto de
ganhar a vitória, o coração voltava para o seu ídolo, e finalmente, deitei-me
sentindo grande mágoa."Então se lembrou de David Brainerd, o qual negava a
si mesmo todos os confortos da civilização, andava grandes distâncias sozinho
na floresta, passava dias com fome e depois de assim se esforçar por cinco
anos, voltou para falecer tuberculoso nos braços da sua noiva, Jerusa, filha de
Jônatas Edwards.
Por fim, Henrique Martyn, também, ganhou a vitória,
obedecendo à chamada para sacrificar-se à salvação dos perdidos. Ao embarcar
para a Índia, em 1805, escreveu: "Se eu viver ou morrer, que Cristo seja
magnificado pela colheita de multidões para Ele".
A bordo do navio, ao afastar-se da sua pátria,
Henrique Martyn chorou como uma criança. Contudo nada podia desviá-lo da sua
firme resolução de seguir a direção divina. Ele era "um tição arrebatado do
fogo" e repentinamente dizia: "Que eu seja uma chama de fogo no
serviço divino".
Depois de nove longos meses a bordo, e quando já se
achava perto do seu destino, passou um dia inteiro em jejum e oração. Sentia
quão grande era o sacrifício da Cruz e como era, igualmente, grande a sua
responsabilidade para com os perdidos na idolatria da Índia. Continuava a repetir:
"Tenho posto vigias sobre os teus muros, ó Jerusalém; eles não se calarão
jamais em todo o dia nem em toda a noite: não descanseis vós os que fazeis
lembrar a Jeová, e não lhe deis a Ele descanso, até que estabeleça, e até que
ponha a Jerusalém por objeto de louvor na terra!" (Isaías 62.6).
A chegada de Henrique Martyn à Índia, no mês de
abril de 1806, foi também em resposta à oração de outros. A necessidade era
tão grande nesse país, que os poucos obreiros concordaram em se reunirem em
Calcutá, de oito em oito dias, para pedirem a Deus que enviasse um homem cheio
do Espírito Santo e poder à Índia. Martyn, logo ao desembarcar, foi recebido
alegremente por eles como a resposta às suas orações.
É difícil imaginar o horror das trevas em que vivia
esse povo, entre o qual Martyn se achava. Um dia, perto do lugar onde se
hospedara, ouviu uma música e viu a fumaça de uma das piras fúnebres de que ouvira
falar antes de sair da Inglaterra. As chamas já começavam a subir do lugar onde
uma viúva se achava sentada ao lado do cadáver de seu marido morto. Martyn,
indignado, esforçou-se, mas não pôde conseguir salvar a pobre vítima. Em outra ocasião, foi atraído pelo ruído do
címbalo, a um lugar onde o povo fazia culto aos demônios. Os adoradores se
prostravam perante o ídolo, obra das suas próprias mãos, do qual adoravam e
temiam! Martyn sentia-se "mesmo na vizinhança do Inferno".
Cercado de tais cenas, ele se aplicava mais e mais
e sem cansar, dia após dia, a aprender a língua. Não desanimava com a falta de
fruto da sua pregação, reconhecendo ser de maior importância traduzir as
Escrituras e colocá-las nas mãos do povo. Com esse alvo, perseverava no trabalho
de tradução, cuidadosamente, aperfeiçoando a obra, pouco a pouco, e parando de
vez em quando para pedir o auxílio de Deus.
Como a sua alma ardia no firme propósito de dar a
Bíblia ao povo, vê-se no seguinte trecho de um dos seus sermões conservado no
Museu Britânico: "Pensai na situação triste do moribundo, que
apenas conhece bastante da eternidade para temer a morte, mas não conhece
bastante do Salvador para olhar o futuro com esperança. Não pode pedir uma
Bíblia para saber algo sobre o que se firmar nem pode pedir a esposa ou ao
filho que lhe leiam um capítulo para o confortar. A Bíblia, ah! é um tesouro
que eles nunca possuíram! Vós que tendes um coração para sentir a miséria do
próximo, vós que sabeis como a agonia de espírito é mais que qualquer sofrimento
do corpo, vós que sabeis que vem o dia em que tendes de morrer, oh! dai-lhes
aquilo que lhes será um conforto na hora da morte!"
Para alcançar esse alvo, de dar as Escrituras aos
povos da Índia e da Pérsia, Martyn aplicou-se à obra de tradução de dia e de
noite, até mesmo quando descansava e quando em viagem. Não diminuía a sua
marcha quando o termômetro registrava o intenso calor de 70" nem quando
sofria da febre intermitente, nem com o avanço da peste branca que ardia no seu
peito.
Como David Brainerd, cuja biografia sempre serviu
para inspirá-lo, Henrique Martyn passou dias inteiros em intercessão e comunhão
com o seu "Amado", seu querido Jesus. - "Parece", escreveu
ele, "que posso orar para sempre sem nunca cansar. Quão doce é andar com
Jesus e morrer por Ele..." Para ele, a oração não era uma formalidade,
mas o meio certo de quebrantar os endurecidos e vencer os adversários.
Seis anos e meio depois de ter desembarcado na
Índia, enquanto empreendia longa viagem, faleceu com a idade de 31 anos.
Separado dos irmãos, do resto da família, com a noiva esperando-o na
Inglaterra, e cercado de perseguidores, foi enterrado em lugar desconhecido.
Era grande o ânimo, a perseverança, o amor, a
dedicação com que trabalhava na seara do seu Senhor! O zelo ardeu até ele se
consumir neste curto espaço de seis anos e meio. É-nos impossível apreciar quão
grande foi a sua obra feita em tão poucos anos. Além de pregar, conseguiu traduzir
porções das Sagradas Escrituras para as línguas de uma quarta parte de todos os
habitantes do mundo. O Novo Testamento em hindu, hindustão e persa e os Evangelhos
em judaico-persa são apenas uma parte das suas obras.
Quatro anos depois da sua morte, nasceu Fidélia
Fiske, no sossego da Nova Inglaterra. Quando ainda aluna na escola, leu a
biografia de Henrique Martyn. Andou quarenta e cinco quilômetros de noite, sob
violenta tempestade de neve, para pedir à sua mãe que a deixasse ir pregar o
Evangelho às mulheres da Pérsia. Ao chegar à Pérsia reuniu muitas mulheres e
lhes contou o amor de Jesus, até que o avivamento em Oroomiah se tornou em
outro Pentecoste.
Se Henrique Martyn, que entregou tudo para o
serviço do Rei dos reis, pudesse visitar a Índia, e a Pérsia, hoje, quão grande
seria a obra que encontraria, obra feita por tão grande número de fiéis filhos
de Deus nos quais ardeu o mesmo fogo pela leitura da biografia desse pioneiro.
Fonte:
Heróis da Fé (CPAD)
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