Quando falamos das relações pais e filhos,
talvez o texto bíblico mais incisivo, conhecido e comentado seja Provérbios
22:6: “Instrui o menino no
caminho em que deve andar, e mesmo quando envelhecer, não se desviará
dele".
Um erro comum na citação deste texto é trocar o
indicativo “no” por “o”. O conselho aqui expresso não é para se indicar “o”
caminho (vá por ali), mas sim ensinar “no” caminho (ande ao meu lado). O grande
discipulador aqui não é o vocabulário, mas sim o próprio exemplo. Pais íntegros
que almejam uma vida de integridade para seus filhos não se encaixam nos moldes
mundanos do “faça o que eu digo e não o que eu faço”, mas criam ao longo do
caminho, o rastro de pegadas onde seus pequenos discípulos também porão os pés.
Salomão, ao escrever o texto supracitado sabia
muito bem do que estava falando, pois viveu esta realidade dentro de sua
própria família. Davi foi o maior rei da história de Israel. Fortaleceu o
reino, consolidou Jerusalém e expandiu as fronteiras da nação. Mas nos
recônditos do palácio, falhou miseravelmente como pai, seja no exemplo, nas
palavras ou nas atitudes.
Polígamo inveterado, colecionou esposas como se
fossem mudas de roupas (Mical, Abigail, Ainoã, Eglá, Maacá e Bete-Seba) sem se
importar com as consequências de seus impulsos (hábito este seguido por seu
filho Salomão).
Destes relacionamentos vieram mais de vinte
filhos, o que limitou a intimidade do pai com cada um deles. Foram educados
magistralmente como príncipes e princesas, mas renegados como filhos e filhas,
crescendo sem a imposição de limites ou parâmetros de moralidade.
Enquanto isto, Davi errava ao preferir
abertamente Absalão em detrimentos dos demais filhos ou escolhendo Salomão como
herdeiro do trono por este ser filho de Bete-Seba, sua esposa mais influente.
Por ser ausente até mesmo quando estava
presente, Davi sequer percebeu a crescente tensão sexual em sua mesa de
jantar, o que desencadeou o estupro de sua filha Tamar pelo próprio irmão
Amnom.
Ciente do acontecido foi omisso ao não punir
Amnom e nem acolher a princesa deflorada. Esta passividade gerou o ódio de
Absalão que se encarregou de assassinar seu irmão Amnom.
Desta vez, Davi teve um surto de raiva contra
seu filho favorito, e Absalão fugiu para três anos de exílio. Neste tempo, Davi
nada fez para se reconciliar com seu filho. No retorno do pródigo, o “rei” (não
o pai) recebe o "príncipe" (não o filho) com um beijo formal, fugindo
mais uma vez da responsabilidade paterna.
Indignado com tamanha indiferença, Absalão
promoveu uma guerra civil em Israel, e Davi se viu obrigado a fugir de
Jerusalém, sendo perseguido pelo próprio filho. Neste conflito, Absalão morreu
e Davi lamentou a morte do filho, amargurado por saber que já era tarde para
reconciliações.
Antes de sua morte, Davi ainda teve que lidar com
mais uma guerra nacional provocada por rupturas em sua família, quando seu
filho Adonias usurpou o trono do pai, e Davi precisou coroar Salomão às pressas
para cumprir a promessa que fizera a Bete-Seba.
Davi nos deixa valiosas lições com os seus
erros, e a principal delas é que a família vem antes do reino. Uma nação que
emerge de famílias fragmentadas, implodirá sobre as próprias bases. Davi era um
homem elogiável, um rei austero, um músico brilhante, um adorador por
excelência.
Andava lado a lado com Deus e isso lhe garantiu
suas grandiosas vitórias, mas andava distante de seus filhos, o que causou suas
mais vergonhosas derrotas.
Por outro lado, a conduta de Absalão é uma prova
cabal que quando um filho desonra seu pai, encontra um fim precoce e vergonhoso.
Davi falhou em ser pai e isso custou sua honra, já Absalão fracassou como filho
e com isto perdeu a vida.
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