A história de Noé começa
com um dos maiores dilemas teológicos existentes. Afinal, um Deus que segundo
Números 23:19 e Malaquias 3:6, não mente, não se arrepende e nem passa por
mudanças, neste caso, aparentemente, se arrependeu de sua maior criação: - Então,
arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lhe o
coração (Gênesis 6:6).
Para elucidar esta
questão, em primeiro lugar precisamos entender que os desígnios do Senhor são
inalteráveis, e que todos os seus planos, terão uma conclusão dentro do
planejamento original, independentemente do ocorrido durante o percurso (Jó
42:2). Para entender esta questão, é preciso ter em mente que Deus está numa
linha temporal diferente da nossa. Enquanto vivemos o “cronos”, regulado por
minutos, dias e anos; Deus habita no kairós, o tempo perfeito e completo,
medido apenas de eternidade a eternidade. Logo, nós aqui na terra, vivemos e
analisamos os fatos de forma imediata, enquanto Deus visualiza passado,
presente e futuro em uma única óptica.
Assim, em nosso
entendimento, Deus pode até ter “mudado” seu modo operante, mas na verdade, o
desígnio continua intacto. Ou seja, muda se a ação imediata, mas o resultado a
longo prazo será o mesmo. Quando olhamos para a Bíblia e nos deparamos com as
expressões como “Deus se arrependeu”,
“voltou atrás” ou “mudou de opinião sobre determinada questão”,
estamos na verdade enxergando uma postura de Deus em relação as escolhas feitas
pelo homem e não de reviravoltas mirabolantes em seu próprio plano. Digamos que
existe apenas “o” ponto final, mas quem decide como chegar lá, é a própria
humanidade.
Ou seja, Deus não muda e
de fato não se arrepende, mas atua de formas diferentes, dependendo da postura
tomada pelo homem.
Um caso clássico é a
reação de Nínive diante da mensagem de Jonas. O profeta apenas informou o juízo
para aquela cidade perversa, proclamando a iminente destruição, mas
surpreendentemente, o povo ninivita, tomou uma posição de arrependimento, e
aquela geração foi poupada. Deus agiu por amor e com misericórdia em virtude do
quebrantamento espiritual daquela gente, mas a Justiça de Deus foi realizada
cerca de 150 anos depois, quando Nínive caiu pelas mãos dos caldeus, mesmo após
um novo anuncio prévio ter sido proferido por Naum.
Num aspecto mais abrangente,
podemos citar o que muitos consideram o verso chave das escrituras: João 3:16 – “Por
que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu filho unigênito, para que
todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” – O
plano de Deus aqui revelado, é que todos aqueles que crerem em Jesus, encontrem
a salvação. Isto jamais será alterado, ninguém muda ou adapta; mas a decisão de
crer ou não é pertinente a cada pessoa individualmente.
Devemos ter consciência,
que Amor e Justiça são atributos da personalidade de Deus, e ambos agem de
forma simbiótica, não havendo possibilidade de uma prevalecer sobre a outra.
Deus é bom porque é justo, e é justo porque é bom. Exatamente por isto, Ele
estabeleceu diretrizes que indicam ao homem o caminho a ser seguido rumo ao
destino por ele desejado, uma estrada certeira que conduz a salvação, onde não
há erro e nem dolo. Mas infelizmente o homem escolhe atalhos (Jeremias 29:11).
Estas decisões erradas
da humanidade, jamais irão alterar o plano original de Deus, mas certamente
aceleraram um processo imediato de intervenção, seja para bem ou para mal.
Em Gêneses vemos Deus se
confrontando com a terrível realidade dos homens que se tornaram maus e
inconsequentes, corromperam-se, e neste processo corromperam a terra também. A
“morte”, neste caso, era apenas uma consequência das próprias ações da
humanidade, já que a sentença de que o pecado atrairia a morte fora dada ao
primeiro casal ainda no Éden (Gênesis 2:17). Logo, Deus estava em total direito
de tomar para si as vidas que lhe eram devidas em decorrência da calamidade
pecaminosa que se instalará no mundo, e o dilúvio apenas “adiantaria” o
processo. De qualquer forma, o plano original estava mantido. Em contrapartida,
os desígnios de Deus convergiam para que a terra fosse povoada a partir de uma
família, e neste caso, Deus mantém sua estratégia, apenas substituindo Adão por
Noé. Muda-se os personagens, mas a história, do ponto de vista eterno, continua
inalterável.
Numa linguagem figurada,
podemos dizer que Deus não mexeu no tabuleiro, apenas reposicionou as peças. Os
leitores mais atentos entendem que o “arrependimento sentido por Deus”, fala de
sua tristeza pela condição humana, e é de fato o estopim para um recomeço, onde
a iniquidade é, literalmente, lavada de sobre a terra, e uma nova semente de
bondade é plantada através de Noé. As gerações seguintes cometeram os mesmos
erros de seus antepassados, mas cumprindo a promessa feita de retardar a
destruição, Deus investiu ao longo da história em novos começos. Em Abraão Ele
iniciou Israel (uma nação para ser modelo), em Jesus iniciou a Igreja (um povo
santo e separado para ser luz do mundo) e futuramente iniciará em Cristo, um
reino perfeito de paz e felicidade permanente, descrito nos últimos capítulos
de Isaías.
Pb. Miquéias Daniel Gomes
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