William Tyndale nasceu em 1495, em
Slymbridge, Inglaterra, perto da fronteira do País de Gales. Recebeu seu
mestrado em 1515, pela Magdalen College, na Universidade de Oxford, onde havia
estudado as Escrituras em grego e em hebraico. Ele também estudou em Cambridge,
que estava tomada por idéias luteranas. Provavelmente Tyndale adquiriu suas
convicções protestantes estudando lá. Ele foi ordenado ao sacerdócio em 1521.
Mais tarde, expressou sua insatisfação com o ensino de teologia: "Nas
universidades eles determinaram que nenhum homem olhasse para as Escrituras até
que fosse embebido com aprendizagem pagã por oito ou nove anos, e armado com
falsos princípios que claramente o impediam de compreender as Escrituras".
Tyndale tornou-se tutor da família de
Sir John Walsh, em Little Sodbury Manor, ao norte de Bath. Enquanto estava
morando nessa casa, ele ficou alarmado com a ignorância do clero local — muitos
sacerdotes paroquiais da igreja católica, nos dias de Tyndale, eram tão
corruptos que ficaram conhecidos como bêbados comuns, que recebiam regularmente
prostitutas em suas igrejas! Até o cardeal Thomas Wolsey, o representante
pessoal do papa na Inglaterra, viveu com uma companheira por vários anos e teve
dois filhos, tendo-a passado, depois, para outro homem, com um dote!
Então, ao completar 30 anos, Tyndale já
havia devotado sua vida à tarefa de traduzir a Bíblia das línguas originais
para o inglês. O desejo de seu coração é ilustrado na declaração feita a um
clérigo, enquanto refutava a concepção de que apenas o clero estava qualificado
a ler e interpretar corretamente a Escritura: "Se Deus me conceder vida,
não levará muitos anos e farei com que um rapaz que conduza um arado saiba mais
das Escrituras do que vós". A única tradução da Escritura em inglês,
naquele tempo, era a versão de John WyclifFe, disponível numa versão manuscrita
e com várias imprecisões, que havia sido traduzida da Vulgata — a tradução em
latim, feita por Jerônimo (347-420).
Em 1523, Tyndale partiu para Londres em
busca de um local para trabalhar em sua tradução. Quando se tornou óbvio que o
bispo de Londres, o erudito Cuthbert Tunstall, que era amigo de Erasmo de
Roterdã, não lhe daria hospitalidade, foi-lhe providenciado um lugar por
Humphrey Monmouth, que era um rico negociante de tecidos. Segundo Tony Lane,
"os bispos estavam mais preocupados em impedir a propagação das idéias de
Lutero na Inglaterra do que em promover o estudo da Bíblia". Então, ém
1524, Tyndale deixou a Inglaterra e foi para Hamburgo, na Alemanha, porque a
igreja inglesa, que ainda estava sob autoridade papal, se opunha completamente
a colocar a Bíblia nas mãos do povo. Ele disse que "não somente não havia
lugar no palácio de meu senhor em Londres para traduzir o Novo Testamento, mas
que também não havia lugar para fazê-lo por toda a Inglaterra".
Segundo D. M. Lloyd-Jones, Tyndale inha
um ardente desejo de que o povo comum pudesse ler as Escrituras. Mas havia grandes
obstáculos em seu caminho. Ele lançou uma tradução da Bíblia sem o endosso dos algo
até então, inimaginável. Outra ação de sua parte, foi que ele saiu da
Inglaterra sem permissão real. Esse também era um ato bastante incomum, e
altamente repreensível aos olhos das autoridades. No entanto, no anseio por
traduzir as Escrituras, Tyndale deixou o país sem o consentimento do rei e foi
para a Alemanha, onde, com a ajuda de Lutero e de outros colaboradores,
completou sua grande obra. Essa atitude significava a colocação da verdade
antes das questões de tradição e autoridade, e uma insistência na liberdade de
servir a Deus da maneira como cada qual julga certa.
É muito provável que Tyndale, tão logo
tenha chegado à Alemanha, se encontrou com Lutero, em Wittenberg. Mesmo que tal
fato não houvesse ocorrido, ele tinha pleno conhecimento dos escritos de Lutero
e da sua tradução do Novo Testamento (publicado em 1522). Tanto Lutero quanto
Tyndale usaram o mesmo texto grego para fazer suas traduções: uma compilação
feita por Erasmo, em 1516.
No início de 1525, o Novo Testamento
estava pronto para impressão. E estava sendo impresso em Cologne, quando as
autoridades atacaram de surpresa a gráfica. Tyndale conseguiu escapar a tempo,
levando consigo algumas páginas impressas. Apenas um exemplar dessa edição
incompleta sobrevive. O fato aconteceu numa época em que pelas leis da igreja
católica na Inglaterra constituía crime passível de morte traduzir a Bíblia
para o inglês — em 1519, as autoridades da igreja queimaram publicamente uma
mulher e seis homens por nada mais do que ensinar aos seus filhos versões em inglês
do Pai-Nosso, dos Dez Mandamentos e do Credo dos Apóstolos!
A tradução de Tyndale do Novo
Testamento só foi completada em 1526, em Worms, na Alemanha. Quinze mil
exemplares, em seis edições, foram contrabandeados para a Inglaterra, entre os
anos de 1525 e 1530. As autoridades da igreja fizeram o que podiam para confiscar
esses exemplares e queimá-los, mas não conseguiram conter o fluxo de Bíblias da
Alemanha para a Inglaterra. O arcebispo William Warham de Canterbury comprou um
grande número de exemplares do Novo Testamento, para destruí-los — ironicamente
acabou financiando uma edição melhor e mais numerosa! Como disse John Foxe na
época, "Deus abrira a máquina de impressão para pregar"!
Não podendo mais retornar para a
Inglaterra, porque sua vida estava em perigo desde que a tradução fora
proibida, Tyndale continuou a trabalhar no exterior, corrigindo, revisando e
reeditando sua tradução, até que uma versão revista e definitiva foi publicada
em 1535. Sua tradução tinha um estilo popular e era dirigida ao homem simples,
tornando as Escrituras acessíveis a todos. Exemplares desse Novo Testamento,
levados por mercadores à Escócia, contribuíram também para a promoção da fé
evangélica naquele país.
Em 1534, Tyndale mudou-se para
Antuérpia, na Bélgica, morando na residência de Thomas Poyntz, um mercador
inglês, para completai a ttadução do Antigo Testamento. Mas, pouco depois, em
maio de 1535, ele foi traído por um colega inglês, Henry Phillips, um
mau-caráter, em Antuérpia. Assim, ele foi detido e levado para um castelo perto
de Bruxelas, em Vilvoorde. Depois de estar na prisão por mais de um ano, foi
julgado e condenado à morte. Em 6 de outubro de 1536, Tyndale foi estrangulado
e queimado na fogueira. Suas palavras finais foram comoventes: "Senhor,
abra os olhos do rei da Inglaterra".
Tyndale havia começado a trabalhar na
tradução do Antigo Testamento, mas não viveu o suficiente para completar sua
obra. Havia, entretanto, traduzido o Pentateuco, os livros históricos (até II Crônicas)
e Jonas. Esse homem simples, de origem comum, dominava sete idiomas: hebraico,
grego, latim, italiano, espanhol, inglês e francês. Além disso, ele estava tão
familiarizado com o alemão que era capaz de traduzir e interpretar até mesmo os
pontos mais elaborados dos escritos de Lutero.
Enquanto Tyndale esteve preso, um dos
seus colaboradores, Miles Coverdale, levou a cabo a tradução inteira da Bíblia
para o inglês, baseada em grande parte na tradução do Novo Testamento e de
outros livros do Antigo Testamento feita por Tyndale. O rei Henrique VIII
proclamou: "Se não há heresias nele, que seja espalhado larga¬mente entre
todas as pessoas!". Por volta de 1539, requereu-se que cada igreja na
Inglaterra tivesse disponível uma cópia da Bíblia em inglês. De forma irônica,
Coverdale terminou o que Tyndale havia começado.
A tradução de Tyndale tem tido uma
imensa influência, e pode-se dizer que todo o Novo Testamento em inglês, até
este século, foi meramente uma revisão do Novo Testamento de Tyndale. Cerca de
90% das suas palavras passaram para a versão do rei Tiago, de 1611, e cerca de
75% para a Versão Revisada Padrão, de 1952. O impacto do trabalho de Tyndale se
reflete nas palavras que Edward Fox, bispo de Hereford, dirigiu a seus colegas
bispos: "Não vos exponhais ao ridículo do mundo; a luz brotou, e está
melhor dispersando todas as nuvens. Os leigos conhecem as Escrituras melhor do
que muitos de nós".
Tyndale escreveu várias obras, das
quais as mais conhecidas são Parábola da riqueza exagerada — um tratado sobre a
justificação pela fé somente, onde ele recorreu fortemente a Lutero, algumas
vezes só traduzindo seus escritos —, e Obediência do homem cristão — sobre o
dever de obedecer às autoridades civis, exceto quando a lealdade a Deus está
envolvida —, ambas de 1528.
Thomas More atacou vigorosamente
"o capitão dos hereges ingleses", referindo-se a Tyndale, que
escreveu uma réplica a ele, Uma resposta ao diálogo de Sir Thomas More, de
1531, que é a melhor exposição de seu entendimento teológico. Pata More, a
verdadeira igreja era a igreja católica romana, a qual ele considerava
infalível. Qualquer um que se opusesse ao papa, a qualquer de seus
representantes ou a alguma doutrina da igreja era, aos olhos de More, um
herético. Por causa dessa crença, More mandou queimar muitos evangélicos na
estaca.
Para Tyndale, "a verdadeira
autoridade para a fé deveria ser encontrada na Escritura, e qualquer pessoa ou
grupo que negasse a autoridade da Escritura estava, em sua percepção, sob o
controle do anticristo". More e Tyndale eram incapazes de chegar a um
acordo, por causa de suas diferentes perspectivas sobre a fé cristã.
Outras de suas obras foram: Uma
exposição da primeira epístola de São João (1531), Uma exposição de Mateus 5 a
7 (1533) e Uma pequena declaração sobre os sacramentos (publicada postumamente,
em 1548). O livro Um prólogo para a epístola de São Paulo aos Romanos apareceu
pela primeira vez na edição de 1534 do Novo Testamento em inglês. Esse prólogo
foi impresso em separado, em Worms, Alemanha, em 1526, apresentando muitos
pontos de semelhança com o prefácio que Lutero também escreveu de Romanos.
Assim, embora Tyndale não tenha vivido
para ver o resultado daquilo que empreendeu, sua causa triunfou, bem como sua
tradução.
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