sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Um gesto de devoção


Os evangelhos narram duas histórias distintas que de tão semelhantes chegam a confundir até mesmo leitores atentos. Ambas falam sobre mulheres que demonstraram sua gratidão pelo amor do Cristo através do emblemático gesto de “ungir” seus pés com perfumes caríssimos. Mateus 26:2-13 e Marcos 14:3-9 registram a ação da mulher que durante um jantar realizado em Betânia, na casa de Simão, o “Leproso” (pai de Judas Iscariotes, e que fora curado por Jesus de sua lepra), se aproxima de Jesus tendo nas mãos um vaso de alabastro (material semelhante ao gesso). Ela se ajoelha em frente a Jesus e começa a derramar em seus pés um caríssimo perfume feito de “nardo puríssimo” para depois enxugar o precioso líquido com os próprios cabelos. Os discípulos se indignaram com a cena, pois entendiam que aquela era uma atitude dispendiosa, já que o dinheiro ali empregado, poderia ser doado aos pobres. Segundo a avaliação de Judas, tesoureiro do grupo, o valor ali desperdiçado era de aproximadamente 300 denários, cerca de R$ 15.000. Ao ver a postura reprobatória de seus seguidores, Jesus os exorta dizendo que aquele era um gesto único de amor, acalentando seu coração para enfrentar a própria morte, e que o mesmo, ecoaria pela posteridade. Além disto, Jesus lembrou os discípulos que eles ainda teriam muito tempo para exercer a generosidade para com necessitados, porém, muito brevemente seriam privados de sua companhia.  João 12:1-8 também registra esta mesma história, mas desta vez, nos é revelado o nome da mulher generosa: Maria, irmã de Lázaro.

Lucas 7:36-50 nos conta uma história muito parecida, porém, em um cenário diferente. Muito antes do famoso “Jantar de Betânia”, uma outra mulher também se lançou aos pés de Jesus para ungi-lo com perfume. Não sabemos o seu nome e nem sua origem, pois a única referência dada pelo evangelista é que se tratava de uma “pecadora”. É provável que este fato específico tenha acontecido na Galileia, enquanto Jesus participava de um jantar na casa de Simão, o “Fariseu”. Num ambiente repleto de pessoas muito ligadas a religiosidade judaica, em nome do amor e movida por íntima gratidão, uma mulher de péssima reputação social, rompe com as conveniências, adentra a casa de um homem muito religioso, não se detém diante de monções reprovadoras e caminha determinada, com os olhos fixos em Jesus. Humildemente, ela se nega a ficar diante do Messias, e se colocando atrás de Jesus, abraça seus pés e se põem a beija-los, para logo em seguida, começar a chorar. Ao perceber que suas lágrimas estão molhando os pés do Senhor, ela passa e enxugá-los com seu cabelo, e então, derrama sobre eles, sem nenhuma reserva, o perfume de aroma delicioso que trazia consigo, ungindo os pés de Jesus.

Duas mulheres movidas por sentimentos muito parecidos, que testemunharam de forma pratica e incontestável o quão maravilhoso é mergulhar sem reservas no oceano da Graça. Voluntariamente elas escolheram a melhor parte, e entenderam que não existe lugar mais desejável para se estar, do que os pés de Jesus. A virtuosa Maria de Betânia, tinha motivos explícitos para tamanha devoção. Movida pelo amor que sentia por Jesus, seu mestre e amigo, ela aproveita a estadia do Cristo em sua cidade, para através da entrega de seu bem mais precioso, agradecer ao Messias por ter trazido seu irmão Lázaro de volta para vida, e involuntariamente, entra para a história como a mulher que ungiu Jesus e o preparou para enfrentar a cruz e o sepulcro. A pecadora anônima não tinha motivos aparentes que justificasse sua atitude, e também não temos qualquer evidência que Jesus tenha curado alguém de sua família. Mas ali, naquele momento sublime, o Cristo olha além das aparências e descortina o coração daquela mulher. Ela estava grata pelo maior de todos os milagres... Tinha encontrado Salvação. Com seu gesto, Maria agradeceu a Jesus pelo dom da vida. A pecadora agradecia por ter encontrado a própria Vida e o perdão para seus pecados.



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