John
Gibson Paton (1824-1907) era um missionário pioneiro nas ilhas Novas Hébrides
(hoje Vanuatu) ao sul do Oceano Pacífico. Converteu-se ainda criança e logo se
dedicou ao Serviço do Senhor Jesus Cristo. Podemos conhecer um pouco mais sobre
este grande missionário através de sua biografia, que foi publicada em dois
volumes em 1889. Um terceiro volume, escrito pelo seu filho Frank, e publicado
em 1910, tratando dos seus anos finais:
Nasci em
24/05/1824 numa pequena casa na fazenda de Braehead, na paróquia de Kirkmahoe,
perto de Dumfries, no sul da Escócia. Meu pai, James Paton, era fabricante de
meias em pequena escala; ele e a sua jovem esposa, Janet Jardine Rogerson,
viviam uma afetuosa amizade pessoal com o fazendeiro, por isso deram-me o nome
dele, John Gibson. Enquanto criança, mais ou menos cinco anos de idade, meus
pais levaram-me para um novo lar na aldeia de Torthorwald, distante 7 km ao
norte de Dumfries. Nessa época, cerca de 1830, Torthorwald era apenas uma
aldeia, movimentada e próspera, e comparativamente populosa com seus rendeiros,
chacareiros, fazendeiros, em grande e pequena escala, ferreiros e alfaiates.
Lá, nessa vida em uma aldeia sadia e ventosa, os nossos queridos pais encontraram
seu lar por um período de quarenta anos. Ali nasceram mais oito filhos,
constituindo uma família de cinco filhos e seis filhas.
Nosso lugar de
culto era a Igreja Presbiteriana Reformada, em Dumfries. Diz a tradição, que em
quarenta anos meu pai só faltou ao culto do Senhor por três vezes. Todos nós,
desde bem novos, não considerávamos ser um castigo, antes uma grande alegria,
acompanhar o nosso pai às reuniões da igreja. Realizávamos também leituras
especiais da Bíblia nos domingos à noite – mãe, filhos e visitantes lendo por
vez, com perguntas, respostas e exposições novas e interessantes, tendo o
propósito de nos impressionar com a graça infinita de um Deus de amor e
misericórdia no grande dom do Seu Filho amado, Jesus Cristo nosso Salvador.
Embora com menos
de doze anos de idade, comecei a aprender o ofício de meu pai, no qual fiz
progresso surpreendente. Trabalhávamos das seis da manha até às dez da noite,
com meia hora para o café da manhã, uma hora para o almoço e outra para o
jantar. Nestes momentos me dedicava diariamente aos estudos, principalmente com
as primeiras noções de latim e grego, pois eu tinha entregue minha alma a Deus
e tinha resolvido ser missionário da Cruz ou um ministro do Evangelho. Todavia,
testifico com alegria que o que aprendi no tear, ao fabricar meias, não foi sem
valor. A habilidade em usar ferramentas, vigiar e manter as máquinas, viria ser
de grande valor no campo missionário.
As orações de meu
pai me impressionaram nessa época, nunca poderei explicar, pois nenhum estranho
compreenderia. Quando de joelhos, e todos nós ajoelhados ao seu redor no culto
familiar, ele derramava toda a sua alma em lágrimas a favor da conversão do
mundo pagão ao serviço de Jesus e a favor de toda necessidade doméstica. Todos
nós sentíamos como se estivéssemos na presença do Salvador vivo, e aprendemos
conhecê-Lo e amá-Lo como o nosso Amigo Divino. Ao levantarmo-nos (dos nossos
joelhos), eu costumava olhar a luz do rosto do meu pai e desejava ser como ele
em espírito, esperando que, em resposta às suas orações, poderia ser
privilegiado e preparado para levar o Evangelho a alguma parte do mundo pagão.
Alguns anos depois
me conseguiram um trabalho junto ao Regimento de Sapadores e Mineiros que
estava traçando mapas do condado de Dumfries para o Departamento de Cartografia
do governo. As horas no escritório eram das 9 da manhã às 4 da tarde; embora a
minha caminhada de casa fosse de mais de 6 km, todas às manhãs e de volta à
tarde, descobri muito tempo de sobra para estudo particular tanto no caminho
para o serviço, quanto nas horas extras. Em vez de gastar a hora do meio-dia
junto aos demais jogando futebol e outros jogos, me retirava para um lugar
tranqüilo às margens do rio Nith e lá estudava intensamente o meu livro a sós.
Sem que eu soubesse, o nosso tenente vinha observando isso de sua casa no outro
lado do rio e, depois de algum tempo, me chamou ao seu escritório e perguntou o
que eu estava estudando. Contei-lhe toda a verdade acerca da minha posição e os
meus desejos.
Após consultar
alguns dos outros oficiais ele me prometeu uma promoção no serviço e
treinamento especial à custa do governo, com a condição que eu assinasse um
contrato por sete anos. Agradecendo-o muito pela bondosa oferta, concordei em
me comprometer por três ou quatro anos, mas não sete. Com excitação, ele me
disse: "Por que você recusa uma oferta que muitos filhos de gente fina
considerariam uma honra?" Eu respondi: "A minha vida é dada a outro
Mestre, portanto não posso me comprometer por sete anos". Ele perguntou
rispidamente: "A quem?" Eu disse: "Ao Senhor Jesus, e quero me
preparar o mais depressa possível para o Seu Serviço na proclamação do
Evangelho". Enfurecido ele pulou para o outro lado da sala, chamou o
comissário e exclamou: "Aceite a minha oferta, ou será demitido
imediatamente!" Respondi: "Sentiria muito se o senhor fizesse isso,
mas se eu fosse me prender por sete anos provavelmente frustraria o propósito
da minha vida e, embora estar muito grato ao senhor, não posso assumir tal
compromisso". A raiva dele o fez indisposto ou incapaz de compreender a
minha dificuldade. Os instrumentos foram devolvidos, recebi meu salário e sem
mais conversa fui-me embora.
Depois de um emprego numa fazenda, John foi
chamado a ir para Glasgow, cidade principal da Escócia a uma grande distância
de Dumfries. Lá ele tinha uma entrevista para um serviço como professor:
Deixei meu lar
tranqüilo na região rural a caminho de Glasgow. Alias, literalmente no caminho,
pois de Torthorwald a Kilmarnock, uns 65 km, deveria ser atravessado a pé, e
depois até Glasgow por ferrovia. Uma pequena trouxa continha minha Bíblia e
todo os meus pertences pessoais. Assim fui introduzido no grande mar da vida.
"Conheço a tua pobreza, mas tu és rico".
Meu querido pai
andou comigo nos primeiros 9 km do caminho. Seus conselhos, lágrimas e conversa
celestial daquela viagem de partida foram tão nítidas no meu coração como se
fosse ontem; as lágrimas estão no meu rosto tão copiosamente agora quanto
naquela vez, quando a memória me leva de volta àquele lugar. No último meio
quilômetro, andamos juntos num silêncio quase total, meu pai, como de costume
carregando seu chapéu na mão, seus lábios moviam em orações silenciosas a meu
favor, suas lágrimas caíram rapidamente quando os nossos olhos se encontraram. Paramos
ao chegarmos no ponto de partida. Ele pegou na minha mão com firmeza e por um
minuto ficou em silêncio, então ele me disse com amor e solenidade: "Deus
te abençoe, meu filho! O Deus de seu pai te prospere e te guarde do mal!"
Sem poder dizer mais nada, seus lábios moviam em oração silenciosa. Com
lágrimas nos abraçamos e partimos. Olhei através dos olhos turvos de lágrimas
até que a sua forma desapareceu da minha vista, e então me apressando no meu
caminho jurei solenemente, muitas vezes com a ajuda de Deus, de viver e agir de
tal maneira que os pais que Ele me deu nunca viriam a ser entristecidos ou
desonrados.
John G. Paton, depois de chegar em Glasgow,
trabalhou como professor por um curto período de tempo e como missionário com a
Glasgow City Mission por dez anos, entre 1847 e 1857, onde teve muito êxito na
tarefa de evangelização e no combate contra o alcoolismo:
Durante todo o
período que passei na Missão, continuei penosamente com os meus estudos,
primeiramente na Universidade de Glasgow, depois na Faculdade de Teologia da
Presbiteriana Reformada e em classes de medicina no Andersonian College. Nunca
consegui a erudição que tanto desejei, visto que não tive a oportunidade de
formar um bom alicerce nos meus primeiros anos escolares. Todavia, eu contava
muito com a presença do Mestre Amado em todos os meus esforços; algo que
tristemente faltava a muitos estudantes melhores que eu. Fui sustentado pelo
sublime alvo que ardeu durante todos aqueles anos dentro da minha alma, ou
seja, ser qualificado como pregador do Evangelho de Cristo a fim de ser
reconhecido e usado por Ele na salvação de homens que pereciam. Contente como
me sentia e bem sucedido pelas bênçãos de Deus, mesmo assim eu ouvia
continuamente o clamor dos pagãos perecendo nos “mares do sul”. Eu tinha
percebido que poucos demonstravam interesse por eles, enquanto eu bem sabia que
muitos estavam prontos para fazer a minha obra e levá-la avante.
Sem revelar o meu
estado de espírito para qualquer outra pessoa, isto foi o supremo assunto da
minha meditação e oração diária. Foi isso que me levou a entrar nos estudos de
medicina, e me propus a fazer o curso inteiro. Todavia, ao final do terceiro
ano, um incidente me impeliu, de imediato, para o campo missionário
estrangeiro. A Igreja Presbiteriana Reformada da Escócia, na qual fui criado,
estava pedindo por um outro missionário para se ajuntar a John Inglis no seu
grande trabalho nas Novas Hébrides. Dr. Bates, o excelente presidente da
Comissão de Missões entre Pagãos, estava muito entristecido porque por dois
anos o seu apelo tivera falhado.
John assistiu a uma reunião do Sínodo onde
ficou evidente que ninguém mostrou o desejo de fazer aquele trabalho.
Novamente a causa
foi colocada solenemente perante o Senhor, em oração, e uma nuvem de tristeza
parecia pairar sobre todos os presentes. O Senhor ficou dizendo dentro de mim:
“Visto que ninguém melhor qualificado pode ser encontrado, levante-se e ofereça
a si mesmo!”. Quase irresistível foi o impulso que tive para responder em voz
audível: “Eis me aqui, envia-me a mim!”. Todavia, sentia muito medo de
confundir as minhas próprias emoções com a voz de Deus. Por isso resolvi fazer
disso o assunto de meditação e oração por mais alguns dias, e considerar a
proposição de todo aspecto possível. Além disso, fiquei muito preocupado acerca
do efeito sobre as centenas de jovens, e outros, agora ligados a todas as
minhas classes e reuniões. Mesmo assim, senti uma certeza crescente que aquilo
era o chamado de Deus ao Seu servo, e que, Aquele que estava pronto a me
empregar no Seu trabalho no exterior, era também capaz de providenciar,
imediatamente, o que seria necessário para a continuação do trabalho em
Glasgow. O clamor e a necessidade dos pagãos sempre estiveram soando em meus
ouvidos. Via-os perecerem por falta do conhecimento do verdadeiro Deus e Seu
Filho Jesus, enquanto meu povo tinha a Bíblia aberta e todos os meios da graça
ao alcance, caso a rejeitassem, a rejeitariam propositalmente por sua conta e
risco.
Após muita oração, John se ofereceu para o
trabalho nas Ilhas Novas Hébrides, sendo aceito com grande alegria pelo Dr.
Bates.
Quando se tornou conhecido
que estive me preparando para ir ao exterior como missionário, quase todos
estavam totalmente contra a idéia, com exceção do Dr. Bates e um colega
estudantil. Meus queridos pais, quando os consultei, responderam-me “que há
muito tempo eles me tinham entregue ao Senhor, e neste assunto também me
deixariam ao dispor de Deus”. De outros lugares fomos pressionados com fortes
oposições. Entre os muitos que procuraram me deter, havia um velho e querido
cristão, cujo argumento principal sempre foi: “Os canibais! Será comido pelos
canibais!” Por fim lhe respondi: “Sr. Dickson, o senhor já está muito avançado
em anos e a sua expectativa é de logo ser colocado no túmulo e ali ser comido
pelas minhocas. Devo confessar ao senhor que se eu tão somente posso viver e
morrer honrando ao Senhor Jesus, pouco me importa se eu for comido pelos
canibais ou pelas minhocas, pois, no Grande Dia, meu corpo será ressuscitado
tão bonito quanto ao do senhor, na semelhança do nosso Redentor vivo”. O velho,
levantando as mãos num gesto de discordância, saiu da sala exclamando: “Depois
dessa, não tenho mais nada a dizer!”.
John conta como o Senhor providenciou a
continuação da obra de evangelização em Glasgow e como abençoou aquele
trabalho. Pouco antes de sair da Escócia, ele se casou com Mary Ann Robson.
No dia 23/3/1858,
na presença de uma grande multidão e depois de um sermão maravilhoso acerca de
“Passa a Macedônia e ajuda-nos” (Atos 16:9), fomos ordenados solenemente como
ministros do Evangelho e designados como missionários às Novas Hébrides. No dia
16/4, partimos da Escócia viajando para o campo missionário.
John e Mary, depois de uma visita a
Austrália, chegaram nas ilhas Novas Hébrides no dia 31/8. O jovem casal logo
foi designado para estabelecer uma nova base missionária na ilha de Tanna, um
povo indígena totalmente ignorante quanto à civilização ocidental, a não ser
pela exploração por parte de alguns maus comerciantes. Depois de poucos meses
na ilha, John sofreu um duríssimo golpe.
Eu e a minha jovem
e querida esposa, Mary Ann Robson, desembarcamos em Tanna no dia 5/11/1858 com
plena saúde e cheios de grandes esperanças santas e amorosas. No dia 12/2/1859
ela deu à luz a um filho; por dois dias tanto a mãe quanto a criança pareciam
prosperar, e o nosso exílio na ilha ficou cheio de gozo! Todavia, a maior das
tristezas viria logo após aquele gozo. As forças da minha querida Mary não
deram sinal de recuperação, pois sofrera uma crise de malária alguns dias antes
de dar à luz. No terceiro dia após o parto, mais ou menos, a crise se repetiu
com severidade, aumentando a febre a cada dois dias, por quinze dias. Seguiu-se a isto a diarréia, sintomas
de pneumonia e um pouco de delírio de vez em quando. Num momento totalmente
inesperado, veio a falecer no dia 3/3. Para culminar as minhas tristezas e
completar a minha solidão, o bebê me foi tirado no dia 20/3, após uma semana de
enfermidade. Deixo àqueles que já passaram por trevas semelhantes se
simpatizarem comigo; quanto aos demais, seria mais do que inútil descrever as minhas
tristezas. Se não fosse por Jesus e a comunhão que Ele me outorgou, certamente
teria ficado louco e falecido ao lado daquele túmulo solitário. Não posso
afirmar que entendo o mistério de tais visitações, quando Deus leva embora
jovens, que prometem e parecem tão necessários para o Seu Serviço, mas uma
coisa sei e sinto, que à luz de tais situações nos convém amar e servir o nosso
amado Senhor Jesus para que estejamos prontos quando Ele nos chamar para a
eternidade.
John Paton continua com a história da sua
vida missionária na ilha de Tanna (Novas Hebrides). Este relato é de 1860:
Algumas semanas de
tempo seco começaram a afetar o crescimento dos inhames e das bananas do povo.
A seca foi imediatamente atribuída a nós e ao nosso Deus. Os indígenas de toda
parte foram convocados para considerar o assunto em assembléia pública. No dia
seguinte, Nouqua, o cacique maior, e Miaqui, o chefe de guerra, sobrinho de
Nouqua, nos informaram que dois caciques poderosos tinham declarado abertamente
naquela assembléia que, caso o povo do porto não nos assassinassem ou nos
forçassem a sair da ilha, eles chamariam todo o povo do interior e matariam
tanto os nossos caciques como a nós, a não ser que a chuva viesse copiosamente
nesse intervalo. Os caciques amigáveis nos disseram: "Roguem ao seu Deus
Jeová para que chova, e não vá muito longe da sua porta por um tempo; estamos
todos no maior perigo, e caso a guerra venha tememos não poder
protegê-los". Esta amizade, todavia, era fingida. Eles mesmos, por serem
homens considerados "sagrados", que professavam ter o poder de enviar
ou impedir a chuva, de fato quiseram lançar sobre nós a culpa da sua
incompetência. Assim, a ira dos pagãos ignorantes foi fomentada contra nós.
O "Sempre
Misericordioso", porém, mais uma vez Se interpôs a nosso favor. No domingo
seguinte, quando estávamos reunidos para adoração, a chuva começou a cair em
grande abundância. Todos os habitantes acreditaram que ela foi enviada para nos
salvar, em resposta às nossas orações. Assim se reuniram novamente e resolveram
nos deixar permanecer em Tanna. Entretanto, para nossa tristeza, as chuvas
ininterruptas e torrenciais trouxeram muita doença e febre, e novamente os
"homens sagrados" nos apontaram como sendo a causa. Ventos de furacão
também sopraram e estragaram os frutos e suas árvores; mais uma oportunidade
para colocarem a culpa de tudo nos missionários e no seu Deus Jeová! A provação
e o perigo cresciam diariamente no meio de um povo tão terrivelmente mergulhado
na superstição, e tão facilmente influenciado por preconceitos e paixão. Os
indígenas de Tanna estavam quase que constantemente em guerra entre si, todo
homem fazendo o que achava mais reto, e quase toda disputa acabava num apelo às
armas. Num caso, acerca do qual recebemos informação confiável, sete homens
foram mortos num combate, e, segundo o costume de Tanna, os guerreiros e os
seus amigos os comeram no fim da luta. As viúvas dos que foram mortos foram
estranguladas e tratadas de forma semelhante. Além daqueles que caíram na
guerra, os nativos que viviam em nossa região tinham matado e comido oito
pessoas, geralmente em ritos sacrificais.
Dizem que o
constante desejo dos canibais por carne humana se torna tão terrível a ponto de
desenterrar e comerem os recém-sepultados. Dois casos desse barbarismo
revoltante foram relatados como ocorrido entre os aldeões que moravam perto de
nós. Numa outra ocasião o grande cacique Nouqua se tornou seriamente doente, e
seu povo sacrificou três mulheres para sua recuperação. Entre os pagãos das
Novas Hebrides, especialmente em Tanna, a mulher era escrava do homem. Ela era
forçada a trabalhar duramente e levava todas as cargas mais pesadas, enquanto
ele andava ao seu lado com uma espingarda, porrete ou lança. Se ela o
ofendesse, ele a espancaria ou abusaria dela ao seu bel-prazer. Como é triste e
degradante a posição da mulher onde o ensino de Cristo é desconhecido, ou
menosprezado, embora conhecido! É o Cristo da Bíblia e o Seu Espírito que
levantaram a mulher e a fizeram companheira e amiga do homem, não o seu
brinquedo ou escrava.
Até ao ponto que
nos era possível observar, o pagão embora seguindo vagamente alguma divisão da
semana em sete dias, o "domingo" em Tanna era considerado como
qualquer outro dia. Mesmo quando alguns foram persuadidos a desistir do
trabalho manual naquele dia, o gastavam, tal como muitos cristãos em outros
lugares, em visitas aos amigos e em prazeres egoísticos, como comer e beber.
Depois de passarmos cerca de um ano na ilha, conseguimos realizar um culto no
domingo pela manhã que foi assistido por mais ou menos dez caciques e um número
igual de mulheres e crianças que lhes pertenciam.
Depois da reunião
de domingo, costumávamos andar muitos quilômetros visitando as aldeias
alcançáveis, mesmo antes de aprendermos suficientemente a sua língua para
podermos conversar livremente com o povo. Às vezes fazíamos um itinerário
circular entre as aldeias, de 16 a 19 km na ida e o mesmo tanto na volta.
Tentávamos conversar um pouco com todos os que estavam dispostos a nos escutar;
e realizávamos o culto a Jeová onde encontrávamos dois ou três dispostos a se
reunir, se assentar, ou se ajoelhar ao nosso lado. Foi um trabalho fisicamente
cansativo e, em muitos casos, desanimador. Não havia rostos e corações
responsivos para nos animar e nos levantar em comunhão com o Senhor! Todavia,
isso nos ajudou a contatar o povo, conhecer os distritos em redor, e isto
permitiu que tivéssemos consideráveis audiências, exceto quando estavam
envolvidos em guerra. Nenhum progresso verdadeiro poderia ser feito, no sentido
de comunicar um conhecimento espiritual, até que conseguíssemos alguma
familiaridade com a língua. Logo descobrimos a existência de duas línguas
distintas faladas ao nosso redor, mas nos limitamos àquela que era mais compreendida
entre os postos missionários e, pela ajuda de Deus, e grande esforço,
conseguimos em pouco tempo conversar com eles acerca do pecado e da Salvação através
de fé em Jesus Cristo.
Confesso que era
um serviço difícil e penoso, pois os tanneses eram terrivelmente desonestos e
quando havia qualquer doença especial, ou excitação por qualquer motivo, seus
sentimentos ruins eram demonstrados pela maneira totalmente insolente e
carregavam qualquer coisa de que poderiam apoderar-se. Quando me opunha contra
eles, o machado, o pau, o mosquete ou a quawas (pedra de matar) eram
imediatamente levantados, indicando que a minha vida seria tomada se os
resistisse. A habilidade deles para roubar às escondidas era fenomenal! Em meio
a essas tristezas, em vez do fracasso a nossa convicção aumentava, pois se Deus
estava poupando a nossa vida para levá-los a amar e servir ao Senhor Jesus,
logo passariam a nos tratar como seus amigos e colaboradores. Isto, todavia,
não mudou os fatos árduos da minha vida, estando sozinho entre eles e sendo
submetido às suas crueldades e enganado pelas suas constantes mentiras.
Talvez eu tivesse
esperado demais pelo resultado das visitas de vários irmãos de fora durante
essa época, incluindo o navio missionário John Williams. As impressões deixadas
foram, sem dúvida, boas, todavia, sem valor permanente. Logo as coisas voltavam
como antes entre os tanneses, na sua escuridão moral, guiados por satanás de
acordo com a sua vontade, e impulsionados às trevas pagãs mais densas, todavia
sabíamos que a transformação deles, pela graça Divina, seria possível. Com este
intuito trabalhávamos, sem desfalecer, e caso desfalecêssemos nos levantaríamos
novamente a fim de enfrentar tudo em Nome do Senhor que ali nos colocou.
John G. Paton, depois de perder sua esposa e
filho, continuou na evangelização do povo de Tanna, tendo somente a companhia
de alguns crentes da ilha de Anieitiuma. Como narrado nos artigos anteriores,
este trabalho foi extremamente difícil, perigoso e desanimador. Em maio de
1861, um missionário canadense e sua esposa foram massacrados na ilha vizinha
de Erromango. Os taneses, encorajados por esse exemplo, redobraram seus ataques
a Paton, que, depois de escapar várias vezes por um triz, conseguiu sair de
Tanna em segurança, mas perdeu todos os seus pertences a não ser a sua Bíblia e
algumas traduções que havia feito para a língua da ilha durante seus quatro
anos de luta. De Tanna, Paton chegou a Nova Gales do Sul, Austrália, onde não
conhecia ninguém. Entrou numa igreja, pleiteou para ser ouvido por alguns
poucos minutos, falou-lhes com tanta eficácia que daquele momento em diante
participou num ministério especial que lhe viria ocupar os quarenta e cinco anos
restantes da sua longa vida. Seu objetivo, que teve maravilhoso sucesso, foi
providenciar missionários para cada uma das ilhas das Novas Hébrides e
conseguir um navio para esse serviço missionário. Anos mais tarde, como
resultado da sua personalidade extraordinária e poder de persuasão, o
"Fundo de Missões John G. Paton" foi estabelecido em 1890 a fim de
dar continuidade ao trabalho.
Voltando pela primeira vez à Escócia
(1863-64), se casou novamente no dia 16/06/1864 com Margaret Whitecross. Junto
com a sua nova esposa, e alguns missionários que tinha persuadido a
ajuntaram-se a ele no trabalho, voltou ao pacífico no início de 1865. Depois de
instalar os novos missionários em várias ilhas, Paton fixou residência na
pequena ilha de Aniwa, onde permaneceu entre 1866 e 1881. Quando chegaram a
Aniwa, em novembro de 1866, observaram a miséria dos ilhéus. A situação foi
muito semelhante àquela em Tanna: — As mesmas superstições, as mesmas
crueldades canibalísticas e depravações, a mesma mentalidade bárbara, a mesma
falta de impulso humanitário ou altruístico estavam em evidência. Mesmo assim,
continuaram seu trabalho missionário. Foi em Aniwa que seis dos seus dez filhos
nasceram, quatro dos quais faleceram bem novos. Seu quarto filho, Frank Paton,
que mais tarde se tornou missionário nas Novas Hébrides, foi um destes que
nasceu em Aniwa.
Como já mencionamos, os nativos eram canibais
e, às vezes, comiam a carne dos seus inimigos derrotados. Praticavam
infanticídios e sacrifício de viúvas, matando as viúvas dos derrotados a fim de
que pudessem servir aos seus maridos no outro mundo. O culto deles era
inteiramente baseado no medo, cujo alvo era propiciar a atuação de espíritos do
mal a fim de "evitar" calamidade ou "assegurar" vingança.
Endeusavam seus caciques a ponto de quase todas as aldeias ou tribos terem seu
"homem sagrado". Estes sacerdotes exerciam uma influência para o mal,
e lhes era concedida a decisão sobre a vida ou a morte através das suas
cerimônias sagradas. Também adoravam os espíritos de ancestrais e heróis por
meio dos seus ídolos materiais de madeira e pedra. Temiam os espíritos e
procuravam a sua ajuda para a guerra e paz, fome e fartura, saúde e doença,
destruição e prosperidade, e vida e morte. Toda a sua adoração era de medo
servil, e, até onde eu pude verificar, não tinham nenhuma noção de um Deus de
misericórdia ou graça.
Paton admitiu que às vezes seu coração
vacilou quando se questionava se aquelas pessoas poderiam ser levadas a
entender os princípios cristãos na percepção espiritual das suas vidas.
Todavia, animou-se ao ver o poder do Evangelho pelo fato de milhares em
Aneitium terem vindo a Cristo. Assim que teve o domínio da língua nativa
representou as palavras por meio da escrita. Ele também construiu orfanatos: A
Sra. Paton ensinou uma classe de mais ou menos cinqüenta mulheres e meninas.
Tornaram-se competentes em costura, cântico, no entrelaçamento de chapéus e
leitura. Eles treinaram professores, traduziram e imprimiram as Escrituras,
ministraram aos doentes e aos que estavam morrendo, ministravam remédios todos
os dias, e ensinaram o uso de ferramentas, etc. Realizavam reuniões de adoração
todos os Dias do Senhor e enviavam professores nativos a todas as aldeias para
pregar o Evangelho.
Nos quinze anos seguintes, John e Margaret
Paton viram toda a ilha de Aniwa se converter a Cristo. Anos mais tarde ele
escreveu: — Reivindiquei Aniwa para Jesus, e pela graça de Deus Aniwa agora
adora aos pés do Salvador. Quando estava com 73 anos de idade e viajando
através do mundo proclamando a causa de missões nos Mares do Sul, ainda estava
ministrando ao seu povo querido Aniwano quando editou "O Novo Testamento
na língua de Aniwa" em 1897. Mesmo até a hora da sua morte ele continuava
traduzindo hinos, catecismos e criando um dicionário para o seu povo, mesmo quando
não poderia mais estar com eles.
Foi durante uma visita à Escócia, em 1884,
depois da sugestão do seu irmão caçula, Sr. James Paton, o missionário com
relutância prometeu escrever sua autobiografia. James Paton (1843-1906), moldou
os rascunhos do seu irmão para editar um livro. Seus últimos anos foram
passados em Melbourne. Margaret Whitecross Paton foi chamada ao lar celestial
aos 64 anos, no dia 16/05/1905. John sobreviveu por dois anos e faleceu em
28/01/1907.
Hoje, 97 anos após a morte de John Paton,
cerca de 85% da população de Vanuatu se identifica como sendo
"cristã", talvez 21% da população seja evangélica. Os sacrifícios e
legado dos missionários às Novas Hebrides são espetaculares e John G. Paton se
destaca como sendo um dos maiores.
Fonte: Veredas Missionárias
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